domingo, 30 de outubro de 2011

Sobre o câncer, o Lula e nós*

* Esse é um espaço em que geralmente escrevo poesia, crônica ou prosa poética. Não dessa vez.

Acordei de manhã e, como de costume, acessei minhas redes sociais para saber os assuntos do dia.
Quase entrei em estado de choque quando vi dezenas de contatos meus compartilhando uma campanha pedindo que o ex-presidente Lula enfrentasse o tratamento do recém-diagnosticado câncer de laringe no SUS. Choque pela falta de sensibilidade. Choque pela ingenuidade política. Choque por imaginar que aquelas pessoas realmente acreditam que estão fazendo algo de bom e de útil levantando publicamente uma bandeira dessas.
Vejamos: Lula é um ex-presidente da República. Isso já é suficiente para despertar ódio e amor em milhares de brasileiros. Tem o grupo que vai idolatrá-lo por ter sido um grande chefe de Estado, o homem que diminuiu a miséria no Brasil. Tem um outro grupo que vê nele a eterna maldição do que já foi uma esquerda, que o vincula a adjetivos como analfabeto, sem diploma e bêbado.
Não vou entrar nos méritos da minha opinião sobre a figura do Lula (até porque, quem está me lendo certamente sabe o que penso sobre ele). Vou, sim, questionar aqueles que vibraram com sua doença da mesma forma que vibram com os casos de corrupção do governo da Dilma, com a possibilidade de o Brasil produzir uma copa de fiascos em 2014 e, no plano internacional, regozijam-se com a morte de Osama e Kadafi como se o fim dos problemas da humanidade estivesse ali, a um passo da tumba dos "monstros".
Gilberto Dimenstein sentiu vergonha. Xico Sá lembrou Nelson Rodrigues. Eu confesso que senti pânico. Pânico de viver em um mundo no qual um homem doente transforma-se, de um dia para o outro, em uma bandeira contra um Sistema de Saúde que aqueles que o mencionam sequer conhecem. Sim, são membros da classe média. Nunca precisaram do SUS. Nunca vão precisar. Mas acham bonito mandar um ex-presidente para lá, afinal, está tão na moda xingar políticos no facebook e no twitter. Eis aí nossa revolução.
Pensei em várias comparações para fazer desde que li as primeiras manifestações. Pensei em pedir que todos que aderiram tal campanha visitem um centro de oncologia e contribuam de alguma forma com ele. Vale até trabalho voluntário. Pensei, também, em fazer uma outra campanha: você já imaginou que o SUS pode ser tão ruim, também, por culpa sua? Sim, é você quem vota. Que escolheu seus líderes democraticamente. E, que, agora, decidiu que a culpa por tudo isso é de uma pessoa só. Um homem que poderia ser seu pai, irmão ou avô. Mas que, por sorte dele, é um ex-presidente reconhecido e conceituado mundialmente, que poderá gastar o que for para pagar o próprio tratamento e não está errado por isso.
Não sei se quem compartilhou a tal campanha teve dois minutos para pensar nessas coisas. Honestamente, quero crer que não. É triste imaginar que alguém possa querer isso de verdade, como se alguma coisa pudesse ser resolvida caso o Lula procurasse o SUS. Acho que uma coisa até poderia ser resolvida: a doença dele. Não a sua. Não a nossa.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O que fica

O céu mudara;
O sol mudara;
A estação mudara.

Só não muda o que fica.
Fica o que fica.
O medo.
O choro.
A dor.
A sombra.
O não.
O nunca.

domingo, 2 de outubro de 2011

Percalço

Sonhava em não ter medo, como se o medo fosse um erro.
Amava sozinho e baixinho, como se o amor pudesse ser erro.
Acordava inconstante,
Tremia de frio,
Chorava escondido,
Marcava o tempo,
Esperava o tempo,
Enganava o tempo.
De tanto viver temendo, temeu o que de melhor poderia esperar viver.
Temeu a vida.
Não viveu.