sexta-feira, 25 de novembro de 2011

A espera

O amor vestiu aquela camisola lilás com bolinhas cor de rosa.
Foi até a janela observar o movimento na rua.
Preparou um café bem quentinho,
Serviu-o,
Sorveu-o.
O amor fritou bolinhos de chuva.
Lavou e enxugou a louça.
Guardou a porcelana, pois temeu quebrá-la entre um movimento brusco e outro.
Voltou para a janela.
Regou as flores.
Respirou fundo.
Suspirou mais fundo ainda.
Manteve-se firme, forte, solene.
O amor vestiu aquela camisola lilás com bolinhas cor de rosa para sentir-se confortável nas próximas horas, dias, meses...anos, quem sabe.
Porque a única condição do amor, a sua condição inviolável e legítima, é saber esperar.
E o amor esperou.
E o amor imperou.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Que seja belo enquanto dure

Pesava muito aquele amor nas suas costas, já tão fatigado por ser inconsequente, bruto, cego e covarde.
Sim, era um amor feio, com a cara amarrada, quase distorcida. Não sabia se era intenso. Se era verdadeiro. Se era humano ou cruel até dizer chega. Pesava tanto que foi se esfacelando duramente, arrastando cacos dos outros consigo, fechando portas, perdendo sonhos.
O amor tinha que ser algo bonito. Não precisava ser conto de fadas, mas tinha que caber em um cenário de sonhos, de mágicas. Sim, o coração tinha que bater mais forte. Não, o coração não precisava se contorcer de dor um dia sim e outro não, na esperança de que as coisas tomassem outro rumo.
No geral, as coisas não tomam outro rumo quando o amor muda de belo, pra feio e torto. Porque um amor ferido quase nunca consegue ser remediado. Não no mundo real, onde vivem homens, seus defeitos e seus problemas. Não há remédios que combatam o amor que se transformou.
Eu fui aceitando que tem amor que nasce bonito e morre uma sombra do que já foi. Que teima com os fatos e com as certezas. Que tenta ser maior do que o mundo, quando, na verdade, pode caber na palma de uma mão pra simplesmente existir.
Não é fácil deixar o amor feio morrer. Há sempre um ímpeto disfarçado de culpa que tenta reabilitá-lo, que põe esperança onde só deve haver certezas, que infla suas partes quebradas tentando mostrar que as está consertando.
Mas o amor deve ser bonito. Se não for, é porque precisa deixar de ser amor. Precisa entrar em latência. Precisa ficar de lado, no canto daquela estante suja de pó.
Que os meus futuros amores (e os seus também) sejam tão bonitos quanto fortes, sólidos, maduros e intensos. Que sejam mais bonitos do que nós, pra espalharem toda essa beleza por aí.

domingo, 13 de novembro de 2011

O lugar comum da dor

Todo mundo já enfrentou um momento de dor que fez arder o estômago.
Todo mundo já se remoeu só de lembrar desse momento: alguns com uma ponta de mágoa, outros com uma dúzia de aprendizados acumulados. Sim, não está errado aprender na dor. A dor e o sofrimento ensinam o tempo todo. E cada grãozinho deles se acumula na nossa memória, na tentativa de que o corpo aprenda a absorvê-los da forma que tem que ser.
Eu aprendi a lidar com a dor conversando comigo, em silêncio, enquanto uma bagunça repentina se apoderava de cada ponta da minha alma. Aprendi a dialogar com as causas do sofrimento. E a aceitá-lo (não sem pressa, não sem ansiedade).
Toda vez que algo em mim doi, eu remexo no tempo e no vento. Procuro as respostas. E me aquieto tentando me agigantar, tentando não temer. Choro sozinha por menos do que uma hora. Me ajeito no novo espaço. E sigo, bem mais profunda do que fora caso a dor não doesse tanto.
Ontem, em um desses momentos em que existe dor, mas alívio; medo, mas paz; sofrimento, mas perseverança; eu cheguei a conclusão de que todos somos fortalezas. Sim, todos somos guerreiros, somos combatentes. Uns se abalam mais, outros lidam melhor com as derrotas e as lamúrias da vida. Mas ninguém morre de dor. O bom mesmo é viver ainda mais tendo a certeza de que ela (sempre) passa.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Ausência em outras palavras

Citou Vinícius de Moraes porque era a última chance de respirar aquele ar pesado que sentira. Não lembrou que o poeta preferido só cabia no coração dos apaixonados. Dos irremediavelmente apaixonados. Dos desastrosamente apaixonados.
Percebeu que seria incompreendida e ouviu um sorriso irônico, como se entregar-se fosse motivo para zombaria. O som da gargalhada contida imprimiu um eco quente, quase latejante, no fundo de um dos pedaços que, dentro dela, perdiam forma, perdiam cor.
A maior dificuldade do homem é dar adeus. Ninguém dá adeus por querer. O adeus é um ato insano e desesperado de quem quer ir e não pode. De quem quer ir e ficar. De quem já quis ir, mas nunca foi. Daí toda a sua dificuldade existencial em encarar essa palavra com naturalidade. E o seu medo quase imaturo das sequelas que um adeus sempre provoca.
Agora, toda vez que citasse Vinícius lembraria da sombra daquele momento, contornado de rancor, mágoa e de sonhos seus que cerraram junto com os olhos pequeninos e molhados. Logo Vinicius, aquele poeta que escreveu linhas retas pra corações tortos.
"Eu deixarei que morra em mim o desejo de amor os seus olhos, que são doces, porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto". Repetiu duas, três vezes. Baixinho. Devagar. E deixou que aquele nó se desfizesse dentro dela. E que aquela lágrima escorresse definivamente pela última vez.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"Que o coração já quer descansar"

De toda a dor,
De toda a lágrima,
De todo o medo,
Daquele beijo,
Daquele toque,
Daquele espinho,
Daquela sorte,
Daquele sonho,
Daquele início,
De toda a mágoa,
De todo o susto,
De todo o berro,
De todo o nó.
Daquela vez,
Naquela vez,
Uma vez,
Outra vez,
Sempre o mesmo não,
Nunca o mesmo sim,
Sempre aquele fim.
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