quinta-feira, 24 de março de 2011

Velhice*

Eu os vejo sorrindo com força e fragilidade, uma contradição que representa o que nós, homens, somos diante da vida. Não há nada mais puro, mais belo e mais verdadeiro do que a velhice, do que ser velho, do que honrar rugas e cabelos brancos com a convicção de que se é grande. Muito grande.
São feitos de passos lentos porque já correram muito. São feitos de uma respiração pausada porque já se fizeram ofegantes. São feitos de certezas porque já se deixaram tomar por dúvidas.
Ser velho não é ser feio. Nunca. Ser velho é ser bonito, é ser intenso, é ser verdade. Por isso me emociono quando percebo a facilidade com que trocam sorriso. Por isso sei escutá-los, mesmo que, na minha mocidade teimosa, eu não tenha nada a dizer.
Eu os vi chegando aos oitenta e eles me verão chegar aos 30. Quem sabe aos 40. Ou aos 50, se todos tivermos sorte. Mas mais importante do que vê-los é sabê-los. Sabê-los presentes. Sabê-los meus.
Acompanhar um homem na sua velhice é ter a chance suprema de tocar a vida com a ponta dos dedos. É poder se orgulhar de ver as rugas surgirem em toda a sua exuberância, precisão e coragem. É saber, antes, que a beleza e a mágica da vida continuam guardadas naquela parte que não envelhece, tenhamos 10 ou cem anos. Sim, o lado esquerdo do peito, aquele que bate, o coração.

* Para os meus velhinhos, que todo dia me enchem de inspiração.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Máquina do tempo

Eu ontem caminhava rapidamente por uma rua movimentada do Centro, tentando dar conta de compromissos da vida que nunca cabem em um dia só. Deixei a minha carteira cair no chão e , pra não perder tempo, juntei-a correndo e parti sem perceber que meu cartão do banco havia ficado. Quando me dei conta da tragédia que se abatia sobre mim (horas para cancelar o dito cujo, mais dias para receber um novo), pensei em como eu seria feliz se tivesse uma máquina do tempo, dessas que nos permitem remediar qualquer erro, qualquer escolha mal feita.
Mas e aí, e se a tal máquina existisse? Se eu pudesse voltar atrás em toda e qualquer situação que tenha me causada um grama de arrependimento, o que seria de mim? Seria, lógico, uma pessoa frágil. Totalmente frágil. Quem não erra, não sabe o sabor do acerto. Não sabe a importância dos tropeços pra galgar um caminho firme. Não conhece a alegria de se descobrir mais sábio simplesmente por estar vivendo - e aprendendo.
Se eu pudesse, por exemplo, voltar no tempo para não perder meu grande amor, não teria vivido o seguinte. E o próximo. E o que veio depois. Sem todas essas experiências - grande parte delas já remediadas - quem eu seria hoje? Talvez uma menina vivendo num conto de fadas. Ou talvez nem estivesse vivendo, levando em conta que uma vida sem fracassos não é vida.
Voltar no tempo implica em apostar nas escolhas certas. Mas quem sabe o que é o certo para nós? Somos frutos dos nossos equívocos, dos nossos trajetos tortuosos e, acima de tudo, dos nossos conflitos. Escolher o certo, sempre, é coisa para quem tem medo de viver e por isso não arrisca. É coisa de quem pensa demais e que por isso não vive.
Posso estar sendo radical, eu sei. E é lógico que eu queria essa máquina do tempo só para ser cuidadosa o suficiente para não perder meu cartão do banco naquela rua movimentada, naquele dia corrido e pesado para mim. Mas se eu não tivesse deixado a carteira cair, não teria pensando, nem escrito nada disso. Estaria persistindo naquela ideia de que viver é fazer escolhas certas, sempre em busca de uma perfeição que não combina com a vida. Ao menos não com a minha.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Pessimismo tardio

Um casal se conheceu numa manhã clara de primavera.
Trocaram telefones.
Mandaram mensagens.
Marcaram um encontro.
Adicionaram-se nas redes sociais.
Teclaram.
Conversaram.
Encontraram-se pela segunda vez.
Dormiram juntos.
Telefonaram.
Saíram em turma.
Sorriram.
Se apaixonaram.
Viajaram.
Acamparam.
Apresentaram-se aos familiares, aos amigos mais próximos.
Sonharam.
Brigaram.
Pensaram nos prós e nos contras.
Choraram.
Terminaram.
Foram (cada um para um lado).
Um casal se separou em uma noite fria e chuvosa de inverno.
Foi só mais um.

terça-feira, 8 de março de 2011

Terça de cinzas

Eu queria te ter ao meu lado só pelo prazer de ouvir teu silêncio nesse dia chuvoso.
Só pela vontade de sentir teu riso,
Teu cheiro,
Teu toque,
Teu tudo.
Eu queria te ter ao meu lado só para poder te alcançar com as mãos.
Mas não posso.
Não tento.
Não me encorajo.
Ou não consigo.
Simplesmente não.

terça-feira, 1 de março de 2011

Caminhos

Ela sabia que estavam lhe espiando os passos.
Era preciso andar mais reta e segura a partir de agora, evitando os tropeços tão comuns de outros tempos.
Sabia que não podia dar meia volta e se por a correr sem direção, como o ímpeto juvenil sempre lhe incentivara a fazer.
Mais do que graça, era preciso força no caminhar. Porque quem a observava não queria elogiar seus passos elegantes. Queria vê-la rígida e firme diante daquele longo percurso chamado vida.
A cada centímetro que se punha para frente, uma força audaciosa lhe projetava ainda mais adiante.
Era um caminho sem fim, enigmático. Era preciso coragem e altivez. Mas estava disposta a tudo por ter a firme convicção de que chegaria no ponto certo, sem nunca precisar recuar.