terça-feira, 28 de dezembro de 2010

ABC de 2011

Aprender, andar, acreditar e amar.Beijar, buscar. Cumprir, construir, crescer e crer. Deixar passar, demorar, desculpar. Ensinar, encontrar, esquecer. Ficar, fluir. Gostar. Honrar. Intrigar. Jogar. Ler. Morar, madrugar. Negar. Ouvir. Perceber, pedir, projetar. Querer. Rir, reconstruir, renascer. Sonhar, sentir e sorrir. Ter. Unir. Viajar, voltar, viver. Ver. Vencer.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Tempo errado*

Ele olhou firme nos olhos dela e começou a recitar um soneto que ela ouvira outras centenas de milhares de vezes, sempre com o mesmo sentimento de perda, de agonia e de escuridão. Sim, ela era perfeita como devia ser. Gostavam de dançar, de rir juntos. Gostavam de conversar, mudos, debaixo da árvore. Gostavam das mesmas coisas, inclusive um do outro. "Mas não é o momento certo. Eu preciso ficar sozinho. Eu não posso me envolver agora. Não conseguiria ficar com você assim. Você é muito especial para isso". Era um poema que ela sabia de cor, porque também já tinha declamado na porta de casa para o homem que poderia ter marcado a sua vida para sempre, mas que foi embora porque ela pediu. "Olha, eu não estou pronta para me envolver. Estou cheia de dúvidas, de medo. Não quero te enganar". Era o diálogo padrão de quem amou na hora e no tempo errado. Que desajustou o relógio. Que não conseguiu esperar. Que carregou tristezas e nóias e neuras para uma história que poderia e merecia ser outra. Era um diálogo daqueles que se repetiria milhares e milhares de vezes na vida dele, na vida dela e de outros tantos apaixonados que se desencontraram. O soneto - o triste soneto - lhe embalava as noites de medo, de bossa e de fossa. Até que ela encontrasse ele com outra. Alguém que não era perfeita como ela, mas que apareceu no momento exato em que o coração dele se abriu. Simples assim. Daí que ele continuou falando. Ela continuou ouvindo. Os dois se entenderam como mágica. Ela chorou. Ele se arrependeu. Passaram-se dias, meses, anos. E eles contaram essa mesma história tantas outras vezes. A história do amor que deu certo no tempo errado. E que por isso morreu.

*livremente inspirado histórias que eu vi, vivi e ouvi.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Dançar a dois

A gente dança num ritmo quando está sozinho.
E dança noutro quando está junto.
O grande segredo da vida é conseguir sincronizar os passos.
É sabe ir pro mesmo lado que o outro vai.
É conseguir não exagerar no ritmo,
Não extrapolar na música,
Não desafinar o giro.
Eu vi você dançando sozinho.
Te senti mais leve, mais solto.
Você me viu dançando sozinha.
Percebeu que ainda bailo no ar, distante,
Submersa,
Descompassada.
A gente não dança junto porque não quer.
Ou porque não sabe.
Ou simplesmente porque não dá.
E é assim que eu explico quando me perguntam.
E é assim que eu resisto ao nosso erro,
A nossa dança,
A nós dois.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Um brinde às madrugadas

Porque você brindou a mim, eu brindei a você.
E caminhamos juntos pelo salão desocupado,
Rindo um do outro,
Sonhando um com outro,
Fazendo planos e mais planos pros próximos verões.
Você me puxou pela cintura
E eu então me entreguei, leve feito pluma,
Rindo como se minha alegria jamais pudesse acabar.
Nós brindamos ao sol, à lua e à madrugada do nosso reencontro.
Brindamos à ausência do medo, porque tudo era seguro quando estávamos um no outro.
Eu brindei ao jeito que você me olha,
Ao jeito que você me toca,
Ao jeito que você me conquista, gole a gole.
E nós então nos desfizemos das máscaras,
Das inseguranças,
Dos surtos,
E conseguimos brindar a nós.
Nós.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Cena final

Deixou que a franja caísse no canto esquerdo do rosto, misturando-se com leveza e precisão à lágrima que lhe cortava a alma. Como podia doer tanto? - era só nisso que ela conseguia pensar no instante em que as mãos firmes dele tentavam afastar seu cabelo e enxugar sua tristeza gota por gota. Como alguém que lhe fez sorrir tantas vezes conseguia agora lhe provocar essa enxurrada de agonia e de indefinição? Por que as gargalhadas tinham que cessar e ceder espaço a esse soluço que lhe partia inteira? Por que ela não conseguia decidir racionalmente e precisava temperar o que nem era uma despedida com tanto drama e desalento?
Subiu as escadas tonta, prevendo a tormenta do dia seguinte. E dos demais. Pensou tê-lo visto suspirar, sem saber se de angústia ou de alívio. Sem saber se tudo era fruto da sua imaginação. Na verdade, ele se mantinha inerte, sem mexer as mãos, os pés ou esboçar qualquer expressão. O que ele poderia entender, afinal? Eram delas todas aquelas coisas que se punham entre eles. Era dela a dúvida. E eram delas as lágrimas. Todas as lágrimas.
Não sabia pronunciar a palavra que deveria. Temia que saísse sem pensar. ADEUS. Era isso mesmo o que queria? Era disso que precisava? Por que tantas interrogações naquela hora da madrugada, com as estrelas testemunhando tudo?
Deitou pacificamente, tentando alinhar a franja que lhe impedia de ver, tentando esgotar as lágrimas que lhe turvavam, tentando fechar o olho e sonhar. Simplesmente sonhar. Um sonho bom, daqueles que ela pensou que poderiam viver um dia.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Equação do amor

Ela não iria ensiná-lo a amar. Nunca.
Amar não se ensina.
Amar se aprende.
Simples como uma equação de álgebra.
Complexo como uma equação de álgebra.
Na dela, um mais um sempre seriam dois. Os dois.
Na dele, somar era tarefa impossível.
Por isso virou as costas sem entender muito bem aquela modesta matemática que lhe matutava dia e noite.
Por isso deixou-o calcular, sozinho, a equação da sua perda.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Amar certo

Amou errado uma, duas, três vezes, para só então conseguir acertar.
E acertar era perceber que a pessoa ideal não precisava ser aquela que lhe atraía o primeiro olhar, que lhe fazia dormir pensando em como seria o dia seguinte ou que lhe provocaria rios de lágrimas quando fosse embora definitivamente.
A pessoa ideal era aquela com quem ela sorria o tempo todo, que lhe tirava do lugar comum da paixão porque não causava frio na barriga, que lhe ajudava a crescer todas as horas, todos os dias, estivessem eles na Terra ou em Júpiter.
Demorou para entender que o melhor do amor está nas histórias compartilhadas, não na tremedeira desenfreada que se abate sobre o corpo depois de um esbarrão acidental. Está nas horas de silêncio e total sintonia, com as almas esperando uma pela outra, pra se encontrarem pausadamente em um dia de chuva.
Amar certo, para ela, adquiria um sentido cada vez mais diferente do que supunha. Era não esperar nada além de um grande abraço e de um sorriso reconfortante para fazer disparar o que tem de melhor. Era viver alegre e sem medo. Era saber que o seu amor de hoje só se tornou eterno porque soube lhe mostrar um caminho novo, um caminho deles, o melhor caminho. Era ter a pessoa certa para descobrirem um no outro porque erravam tanto. Era vê-lo partir ou ficar e ter sempre a convicção de que finalmente acertou.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Diferentes

Que bom que somos assim tão diferentes.
Eu rio, você chora.
Eu danço, você canta.
Eu calo, você fala.
Eu mudo, você permanece.
Eu me encontro, você se perde.

Por sermos assim, tão diferentes, estamos aqui em sólidas posições.
Eu observo, você atua.
Eu acordo, você adormece.
Eu penso, você esquece.
Eu tenho pena, confesso. Você apenas erra.
E por errar, é meu acerto.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

28

O segredo para chegar aos 28 sem um fio de cabelo branco é se permitir errar porque sempre há tempo para corrigir suas dezenas, centenas ou milhares de falhas.
É dormir pelo menos cinco horas por dia ou quem sabe um pouco menos, se você dedicou a noite anterior a algo realmente agradável.
É comer sorvete e chocolate sempre que te dê vontade, mesmo que aquela gordurinha lateral teime em não te deixar usar aquele vestido justo encostado no cabide.
É sorrir só pra quem merece. E que muitos mereçam, porque não há melhor remédio do que abrir os lábios com o coração.
É chorar sempre que o momento exija, porque as lágrimas te revigoram a pele e te poupam das rugas dos maus sentimentos guardados.
É não se arrepender, não se lamentar, não ter medo dos golpes e dos riscos da vida.
É se sentir em paz sem esforço, ainda que exista uma bagunça voraz dentro de você.
É amar cada milímetro de quem mereça e se cercar desse mesmo amor.
É sofrer e entender.
É se entender.

*O segredo de chegar aos 28 anos com a certeza de que os 98 serão ainda melhores é estar cercada de gente que te ame e te leva pra frente:

Um pai que saiba quando você está doente e te ligue subitamente pra saber se está tudo bem. Que dirija 300 quilômetros ou mais para que você chore tudo o que puder no colo dele.
Uma mãe que te lembre o quanto você é "nova, bonita e inteligente" pra perder tempo com quem não vale. Que te leve pra tomar cerveja e volte gargalhando no carro.
Uma irmã que saiba tudo de você, até os segredos que você não divide.
Pelo menos uma grande amiga pra te ligar bêbada de madrugada e dizer o quanto você faz falta. Outra pra te tirar de casa quando você está naquela TPM infernal.
Pelo menos um grande amigo pra te dizer que você é muito mais bonita do que a outra. Que te leve pra almoçar, jantar e sorrir. Que te repita sempre as mesmas lições, aquelas que você só vai aprender aos 40. Ou 80, se for teimosa demais.
Um bom médico pra gastrite e um chefe que não ajude a piorá-la.
Alguém que te tire da bolha e te leve para os lugares mais improváveis do mundo, aqueles que você jurou que nunca ia frequentar.
Alguém que derrube as suas certezas.
Alguém que te deixe nas nuvens.

*Sim, eu tenho esses presentes =)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A.

Dormi e acordei com o amor.
Dei bom dia com o amor.
Andei com o amor.
Sorri com o amor.
Vibrei com o amor.
Amei com o amor.

Ah, o amor.
Dói, mas alegra.
Chora e faz cócegas.
Irradia.
Extermina.

Para que sejamos cúmplices pra sempre.
Para que só ele nos cerque.
Para que a gente se entregue a mil quilômetros por hora, com todo o amor que conseguimos cultivar fora e dentro de nós.
Ame.
Amo.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Sobre ir embora*

Fora embora duas vezes, sempre olhando pra trás, sempre olhando pra si.
Viu pelo retrovisor seus mundos ficarem pequenos até sumirem por completo, diante de um olhar incrédulo de quem sabia que precisava partir.
Deixava sonhos e deixava vida. Pessoas, pedaços, memórias, confissões, crimes.
Costumava se distanciar com uma mistura de alívio e medo, imaginando onde estariam seus próximos passos. Imaginando quem seguiria com ela e que tipo de trajeto teria pela frente.
Acostumou-se com a paz das despedidas, os olhos cheios de água, as mensagens de amor e amizade, os longos abraços, os beijos com e sem gosto, as mãos suadas e calejadas de tanto doer. Porque ir embora sempre era dor, fosse o destino mais ao sul ou mais ao norte.
Sabia que nenhum lugar era o seu. Que andaria por mais de um chão, sempre com a ideia de se fixar, mas nunca com a certeza de que criaria raizes. Que viveria da saudade do que ficou e da esperança do que estaria por vir. Que passaria horas a fio locomovendo-se pelos solos por onde amou.
Nos sonhos daquela menina, ir embora nunca era o começo e nunca era o fim. Era o contínuo. O seu espaço era o andar, muito mais do que o viver. E na profundidade das suas certezas, sempre sabia - sentia - quando a porta estava prestes a lhe engolir, a lhe empurrar para a frente.
Nos sonhos daquela menina - que se tornou mulher de tanto ir embora - deixar pedaços para trás era muito mais importante do que marcar a sua pele com o cavalheiro viajante. E recompô-los no próximo porto era a melhor parte da história.

* Não, não vou embora. Ainda não é tempo.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Fazer a mala

Sussurou a música que sempre cantava nos momentos de agonia.
Eram versos próprios pra arrumar a mala e tentar organizar toda a bagunça que se alojara na sua alma.
Dobrava o vestido, a saia, a calça, a camiseta, mas não conseguia encontrar lugar para as suas dúvidas.
Vivia de se fazer perguntas sem achar as respostas.
Adorava se questionar sobre o impossível, sobre o imponderável.
Quando conseguia a solução, tratava de se ocupar com outro problema. E depois outro, até cansar.
Conseguiu encaixar um par de sapatos no bolso da frente.
Continuou insistentemente com o refrão. Dizia coisas feitas pra ela, obviamente. Cantava toda a angústia que ela conseguia guardar nos momentos de partir. Fosse para ali perto, fosse para tão longe que ninguém mais pudesse alcançá-la.
Fechou o zíper e lacrou a mala com menos convicção do que nas outras vezes. Pretendia abri-la somente no seu destino final, onde finalmente conseguiria achar espaço pras suas verdades. Era pesada aquela mala. Mas pô-la no ombro era uma obrigação, uma meta. Deixou muito do que queria levar. Levou somente o que conseguia carregar. Parou de cantar a música e deu o primeiro passo.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

2010

O ano em que eu descobri que há algo lá fora muito maior do que o amor.
Que pode ocupar os teus dias, as tuas tardes e tuas noites com sopros de alegria e de vida.
Que pode te deixar meio boba, meio alegre demais.
Que te faz sentir viva e inteira desde a hora em que acorda.
Que te faz questionar certezas, preceitos, dogmas.
Que te puxa pra cima e pra frente, sempre.
Que te enche de emoção e ocupa todos os teus vazios.
Que jamais te abandonaria, estivesse você aqui ou no fim do mundo.
Que te mostrou o que você não via.
Que te fez rir quando a lágrima parecia estar pronta.
Que te amou do jeito que você sabe qual é.

A quem me ensinou, dedico meu último mês do ano.
O mês dos meus 28.
O mês das retrospectivas.
O mês de agradecer.

Obrigada por estar aqui tão perto.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Com licença *

Você sabe que o amor existe porque amou, porque foi amado ou porque viu ele se desenhar diante dos seus olhos.
Eu vivi e vi o amor.

Gostaria de compartilhá-lo com vocês.





*Licença pra falar de trabalho, que pela primeira vez me rendeu pastilhas. Pastilhas que eu adorei saborear.

* Vídeos produzidos por Jessé Giotti, para a série de três reportagens publicadas no jornal A Notícia entre 29 e 30 de novembro. Os textos são de minha autoria e estão disponíveis em www.an.com.br.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

De verdade

Com ele eu tive os meus melhores sonhos, frutos de noites muito bem dormidas, amaciadas por um abraço que foi meu porque eu deixei ser.
Como eram leves aqueles passos que dávamos juntos no meio da sala quando ele repentinamente me tirava para dançar, me fazendo ver todas aquelas estrelas que se aninhavam lá fora.
Com ele eu tive os melhores dias e as melhores noites de primavera, mesmo sem esperar que pudessem se estender além de uma estação.
Como era doce o jeito que sorríamos um para o outro nos momentos de total isolamento do mundo, trazendo para perto da gente um sentimento que nunca conseguiria adormecer.
Com ele eu aprendi a viver daquele jeito leve e intenso, uma contradição ambulante, tal como éramos nós, juntos ou separados.
Como eram firmes as nossas conversas. As que tivemos e deixamos de ter.
Com ele eu andei segura, passos ágeis, correndo pelo tempo que podia ir embora.
Como ele me fez bem apenas por estar ali, revolucionando as minhas rotas, quebrando meus cristais, derrubando minhas certezas, segurando a minha mão, me transformando.
Com ele eu voltei a ser o que sempre procurei em mim, fruto de incertezas, um verdadeiro moinho, uma explosão ambulante, uma mulher de verdade, que se jogou, que mergulhou, que se entendeu.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

STOP

Pare de buscar tantas certezas.
A arte de viver está nas dúvidas que você carrega.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Aparência

Ela tinha um cheiro tão doce, que não consegui dormir na noite em que a vi de longe, com um vestido de cetim cinza e um sapato vermelho que me lembrou o da Doroty, d'O Mágico de Oz. Fiquei pensando nas lembranças que aquele aroma suave me trazia. Ora parecia o de uma flor da minha infância. Ora me lembrava alguma-coisa-qualquer que eu registrei em uma caixa preta do meu cérebro tão seletivo.
Era a mulher mais linda daquele lugar, sem sombra de dúvidas. E eu, com 26 anos recém completos, me julgava um ser desprezível para aqueles olhos sintomáticos. Aqueles olhos que não precisavam ser verdes nem azuis para serem os mais perfeitos de-todo-o-planeta-terra-e-marte-e-vênus.
Será que ela sabe o que me causou quando deixou aquele bilhetinho com letras garrafais diante do meu copo de whisky nacional? Imagina o quanto meu coração deu pulos? O quanto me senti perdido, confuso e babaca diante de uma situação que mais parecia um sonho da minha infância?
"Me encontre as onze da noite. Moro na primeira rua à direita, numa casa amarela com cerca marrom, número 83".
As referências eram suficientemente esclarecedoras, mas eu não apareci.
Fiquei com vergonha de que não fosse comigo. Aquilo não podia ser verdade.
Duas semanas depois, encontrei-a de novo, com o mesmo sapato vermelho e um olhar de quem tinha mais certezas do que eu e do que o resto do mundo. "Eu estava te esperando. Você não apareceu. Queria conversar. Você pode ir lá hoje?".
Pronto, agora eu tinha certeza.
Deixei que fosse antes pois ela fez questão.
Tomei uma, duas, três doses de whisky nacional. Não era o meu preferido. Era o mais barato. A quarta dose eu encarei sem gelo, pra tomar coragem de encostar um dedo que fosse no corpo mais lindo que eu já tinha visto na vida.
Encontrei Rebeca com uma camisola fina, dessas que mulher usa para seduzir.
Toqueia- com cuidado e sem pressa.
Senti algo diferente na superfície da sua pele.
Fui descendo minhas mãos pelas suas costas com um certo desespero. Seu corpo era coberto de cicatrizes. Não eram uma, nem duas. Eram dezenas delas, desenhadas com um zelo que eu jamais me permitiria entender. Havia marcas no abdomem, nas coxas, nos ombros, no peito, no glúteo. Tudo escondido pelo cetim do vestido cinza. Tudo escondido pela camisola que ela escolhera para me receber.
Quando a dominei por completo, não consegui entender porque ela fizera aquilo. Imaginei que projetou o próprio corpo como uma tela em branco, que precisava ser preenchida. Depois, pensei que ela queria se mutilar para se tornar uma simples mortal, o avesso da perfeição.
Durante anos pensei em Rebeca como um ser obtuso, quase indecifrável. Por que ela me escolhera? O que esperava de mim? De onde vinham suas marcas?
Voltei muitas vezes ao mesmo bar a fim de encontrá-la. Nunca mais a vi. Confesso que temi a sua imperfeição. Seu cheiro não mostrava suas cicatrizes. Seus olhos omitiam todo o seu mistério. Mas eu toquei a sua essência como nenhum homem jamais se permitiu se apoderar de uma mulher. Aquela era a essência da dor. Eram as marcas da sua vida.

domingo, 21 de novembro de 2010

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O melhor amor do mundo...

É aquele que não se deixou contaminar pela paixão.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O último beijo

O beijo foi amargo porque tinha o gosto do que poderia ter sido e não foi.
Sentiu a perna tremer, o peito engasgar, o sonho acabar. Aquele momento seria o último e lhe traria a convicção da efemeridade das grandes e avassaladoras paixões.
Só quem abria os lábios para um último beijo sabia a significância daquele momento, da tensão da saliva, do movimento lento, sincronizado, que se permite dar adeus sem suspirar, sem encontrar o que procura no outro.
No começo era doce feito o mel. Não tinha certeza quanto ao gosto suave, mas tinha expectativas imediatas. Tinha planos. Tinha vontades. E tudo aquilo lhe habitava durante os intermináveis minutos em que suas bocas se encontravam num movimento tenso e apressado, com a pressa que move os apaixonados.
O doce ficara amargo porque passou a viver das dúvidas, das incertezas, dos medos. E concentrou mais angústias do que alívio, mais tensão do que calma, mais fuga, mais saudade.
Sabia ser o último beijo porque sentira aquele gosto amargo meses atrás, quando então se despediu de um amor que lhe trouxera as mesmas marcas. Reconhecia aquele tom ácido que se formava entre uma língua e outra, num prenúncio de dor e de lágrimas. Num prenúncio de adeus.
Decidiu que aquele seria o último beijo dos dois porque sabia que não conseguiria mais recuperar aquela doçura do primeiro encontro de lábios. Não queria mais sentir aquele gosto amargo - e frio - dos sonhos desfeitos, das chances que se perderam. O beijo dos covardes, que se despedem culpando-se pelos erros. O beijo do passado, que se deixa impregnar em cada parte do corpo, aguçando sentidos para aquilo que poderia ter sido, mas que, por um lapso qualquer, simplesmente não foi.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Sobre a relevância das (mil) lágrimas*

Passou tanto tempo sem chorar, que acabou esquecendo do gosto e da importância de uma lágrima. Permitiu que ela fluísse rápido. Arrancou cada gota de dentro de si. Sentiu o alívio dos dias de paz. Perguntou porque o tempo era de guerra. Aumentou o som e postou-se diante do espelho, firme como jamais estivera. Encontrou mais um pouco de sonhos naquele líquido quente que se apoderava da sua pele, do seu rosto borrado.
Chorar novamente, depois de tanto tempo, era a chance de que precisava para crer-se livre de uma angústia latente, que não raras vezes a deixava com mais dúvidas do que certezas. Naquele momento, as lágrimas eram mais poderosas do que o seu eterno-sorriso-que-podia-não-dizer-absolutamente-nada. Porque elas deixavam tudo limpo ali dentro, como se tivessem a missão de lavar seus dias nublados.
Depois daquele choro muito mais compulsivo do que impulsivo, passou uns dois ou três dias sendo reticente e cuidadosa com qualquer manifestação de alegria efusiva. Era essa a paz de que precisava agora, para entender aquele turbilhão de emoções que vinha crescendo vertiginosamente. Não sofria, não temia, não queria calmaria. Mas precisava libertar-se de algo que não sabia o que era. E descobriu rápido. Precisava libertar-se das lágrimas que a habitaram durante meses a fio. Por isso se deixou chorar. Por isso acordou em paz.

*Chore bem, pra rir melhor.

sábado, 13 de novembro de 2010

Eterno

Eu te deixei ir embora porque entendi que nem tudo existe pra ficar.

A bailarina

Dançou sozinha, no meio da rua, guiada por aquela música que só ele sabia cantar.
Jogou os braços de um lado pro outro, na tentativa de soltar o quadril e tornar a região da cintura menos rígida. Mexeu todo o tronco e depois conseguiu acelerar os movimentos, ainda que o som fosse um pouco mais lento do que os passos que conseguiu imprimir.
Parou repentinamente porque não conseguiu ir adiante. Seguir era um verbo impróprio naquele momento. Estava cansada das tentativas frustradas de pender prum ritmo que não era o seu. Dançou sozinha com os olhos fechados. Encontrou os melhores passos. Impôs o seu movimento. E finalmente conseguiu desprender-se do chão.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Bem-vindo você

É claro que eu não esperava que você chegasse justo hoje, num dia em que eu me encontrava desarrumada, de pijama, caída num canto da casa com livros por ler, discos por ouvir, histórias por contar. Você sabia que o portão da frente estava cadeado. E que a porta da sala de estar tinha uma chave que eu escondia. Seu único acesso foi pelo jardim de mudas que silenciosamente te aguardavam, mesmo sem saber.
Quando eu te vi tão pouco tímido, tão cheio de sí e de nós naquele pequeno vão que separa a sala do quarto, quis te perguntar quem você pensava que era pra se apoderar assim do meu espaço. Mas eu sabia. Você sabia. Nós sabíamos. Por isso permiti que você fosse chegando, entrando em todos os cômodos com esse jeito tão pouco modesto de derrubar o que vê pela frente. Por isso fingi que não vi sua entrada triunfal, como um rasante, como poesia, como uma surpresa que eu não aprendi a digerir.
Eu não pensei em te olhar no olho. Não planejei te convidar pra sentar. Não entoei uma canção de boas vindas. Mas eu permiti que você tomasse seu espaço e se fizesse presente em cada canto. Você regou todas as mudas que esperavam a sua chegada. Você abriu bem as janelas, deixou o sol entrar, o ar circular, o mofo ir embora. Você tomou tudo o que havia ali dentro e que parecia tão entregue antes da sua chegada.
Eu não quero que você vá embora nem amanhã, nem depois, porque você colocou tudo em ordem, mesmo me encontrando desordenada. Quero que você volte sempre que puder. E que fique tranquilo pra sempre, como eu sinto que vou ficar, mesmo que a sua passagem seja meio meteórica.
Mas me promete uma coisa? Deixe junto às plantas uma a gota mais de água. Deixe no chão da sala a marca do seu sapato sujo. Deixe no canto da mesa o rascunho daquela canção que você me escreveu. E mantenha a porta encostada sempre, pro caso de querer voltar.

domingo, 7 de novembro de 2010

Remédio

Pra quando você se arrepender do que não fez,
Pra quando você perder suas certezas,
Pra quando você tiver medo do improvável,
Pra quando você estiver a um passo de voltar,
Pra quando você cansar da chuva,
Pra quando você virar tempestade,
Pra quando você precisar,
Pra quando você renascer,
Pra quando você doer
só um remédio basta:
EXISTIR.


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

X + Y

Quando eu tinha cinco anos de idade, não desgrudava do Carlos Eduardo. Sabe, mãe, aquele menino que me levava pro balanço e ficava cuidando pra eu não cair? Pois então, acho que ele foi meu primeiro amigo homem e eu juro que não consigo lembrar da nossa história de amor ter passado disso. Não, ele não se declarou pra mim, nem eu pra ele, quando nos demos conta que gostávamos de passar boa parte das nossas horas juntos, rindo e brincando, como se o mundo precisasse de pouco - ou de quase nada - a mais do que isso.
Depois veio o Copoquio, lembra? Ah, eu devia ter uns seis anos e mudei de escola. Logo, mudei de amigo também. Meu primeiro desejo foi ter uma lancheira igualzinha a dele, mesmo sendo de menino. Pouco importa esse detalhe de gênero. Se ele era meu espelho, meu exemplo, por que evitar essa atitude dramaticamente feminista e pós-moderna? Pois então, mãe, não lembro de termos pulado a cerca da amizade. Ficou naquilo mesmo. Um sentimento puro e inocente, como tinha que ser.
Eu fui crescendo e passei a odiar os garotos. Não queria nenhum amiguinho perto. Eles só sabiam falar de carrinhos, de super heróis, de futebol. Eram assuntos chatos. Eu queria mais era brincar de barbie, pensar cor de rosa, montar casas de boneca. Afinidade zero com esses meninotes que pareciam cada vez menores do que eu.
Mas depois, adolescente, teve o Juliano*. Sabe aquele, que senta do teu lado na escola e vai virando meio cúmplice? Pois então, esse mesmo. Passávamos horas falando sobre o nada, compartilhando um amontoado de crises e de histórias que só têm espaço na cabeça dos púberes. Ontem ele me lembrou que a gente chegou a se beijar acidentalmente. Eu preferia ter esquecido, pra sustentar a teoria firme e forte que vou manter por aqui, de que o amor entre um homem e uma mulher não precisa ser carnal, entende?
Com ou sem beijo, a minha amizade com o Juliano dura uma era. Calculo que mais de 15 anos, intercalados por momentos de silêncio, mas que subitamente não parecem nada toda a vez que a gente se encontra e ri como se tivesse sido ontem.
E aí que na faculdade, o Juliano escolheu um curso, eu escolhi outro, e eu conheci o Paulo*. Paulo era um menino que eu tinha tudo pra odiar: muito mais inteligente do que eu, sério demais, quase mudo. Mas quis o destino que virássemos vizinhos, compartilhássemos longas caminhadas e jantares e cervejas e conversas e filmes-cabeça e porres homéricos.
Só que um dia ele precisou ir embora e eu fiquei. Não, ele não foi embora pra perto. Tá tão longe, que é difícil até de mantermos contato virtual. Outro lado do mundo, sabe? Mas quando ele voltar, seremos vizinhos novamente. Ah, como é bom sonhar.
Depois do Paulo, teve o José. E o Júlio, o Marcelo, o Renan, o Tiago. Acho que depois desses aí, eu desaprendi a contar. Porque foram tantos, e tão importantes, que eu decidi parar de estabelecer números pra essa intrincada matemática que me leva a estar sempre cercada dos homens mais legais desse mundo.
Então, eu escrevi até aqui, só pra te dizer que sim, eu acredito na amizade entre um homem e uma mulher. Não só acredito, como cultivo com o melhor que existe em mim. Dou meus conselhos, minhas cotoveladas, saio e tiro eles do sério. Deito a cabeça no ombro, abraço com carinho, compro presentes e até me dou o direito de sentir ciúme uma vez ou outra. Brigo bastante também, mas acho que eles aprenderam a aceitar meu temperamento descontrol. E quando me leem aqui, são só elogios e orgulho. Melhor do que namorado. Melhor do que um irmão que eu nunca tive. Melhor amigo.

* Nomes obviamente fictícios

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ela anda só

Entrou sozinha no bar, com um dos seus melhores vestidos, procurando uma mesa em que pudesse simplesmente sentar sem ser notada. Mas é claro que alguém iria percebê-la. Estava linda, exuberante, e absolutamente sem companhia. Pedia um, dois, três drinks e os homens não paravam de observá-la. O que passava pela cabeça deles naquele momento? "Por que ela não senta comigo?" ou "Será que está esperando alguém?".
Levou pouco mais de meia hora para que lhe pagassem uma taça de martini, bebida que ela não gostava por ser doce demais, contrapondo-se a sua personalidade meio amarga. "Aquele jovem lhe mandou isso", apontou o garçon. Riu timidamente e agradeceu com um aceno. Continuou seu diálogo com a solidão numa noite em que todos queriam companhia.
Lembrou das tantas vezes em que fora naquele mesmo bar em busca de conforto nos braços de um ou outro cara estranho ou da ilusão de que estar cercada de gente é menos dramático do que gostar de si mesma. Deu o primeiro gole na bebida que ganhara. Voltou no tempo e descobriu-se inacreditavelmente melhor.
Travou consigo mesma um longo e intenso diálogo. Estava só, muito mais bonita, madura e feliz, num bar em que todos procuravam desvendá-la, inclusive ela própria. Sabia que essa era a melhor opção agora: andar altiva e cercada da sua melhor companhia, que, naquele bar, era a cadeira vazia ao lado, o silêncio e o sorriso que conseguia brotar sem que alguém precisasse lhe fazer graça.
A meia-noite foi embora, caminhando devagar, com a leveza que o álcool acendia sobre o seu espírito cada vez mais livre. Chegou em casa entendendo mais sobre o mundo, convertida, com mil certezas e absurdamente em paz com seus últimos passos. Aquele tempo era dela e seria assim até que se descobrisse outra novamente.

*Apologia à solidão. Sim, às vezes todos precisamos dela.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Micro-conto casual

Entrou no carro com um buquê de rosas vermelhas na mão. Dirigiu com o coração acelerado, tenso, agoniado, inebriado por um cheiro que só sentia em ocasiões como aquela. Chegou, viu-a esplêndida. Abriu a porta, reparou no vestido preto que ela usava e que mostrava todas as suas formas. Deu-lhe um beijo no rosto, acariciou sua bochecha, sentiu seu perfume doce. Saíram para jantar, dançaram alucinadamente, beberam vinho e cerveja, riram e falaram alto. Pegaram um outro rumo, abriram a porta branca, olharam-se nos espelhos. Despiram-se. Amaram-se por uma ou duas horas. Beijaram-se longamente. Deixou-a em casa. Tomou seu rumo. Dormiu tranquilo. Não sonhou.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ex.

Tem ex que é pra sempre, por mais que esse conceito esteja definhando no complexo dicionário do amor.

É pra sempre porque não importa se você esteja só ou acompanhada, vai lembrar da forma como ele sorria ou segurava a sua mão quando você sentia medo.

É pra sempre porque não importa quem seja a atual namorada, vão lembrar de você quando pensarem nele e no quanto vocês poderiam ter sido felizes se fossem mais pacientes um com o outro.

O seu eterno ex-namorado é aquele por quem a sua mãe, a sua avó e a prima do seu cunhado perguntam sempre, independente de quantos tenham vindo depois dele.

Ele é aquele que te remete pros melhores anos da sua vida, que geralmente só foram os melhores porque você tinha a melhor companhia para vivê-los.

Ele é aquele que você vai encontrar com um sorriso no rosto, não importa o tempo ou o quanto tenham magoado um ao outro no momento do adeus. Por ele você consegue chorar de dois em dois anos, quando inesperadamente lembra o que vocês poderiam estar fazendo juntos.

O melhor ex-namorado da sua vida é o homem que você encontrou no momento e no tempo errado, por mais que tenham feito tudo certo, por mais que tenham sido felizes nos instantes em que tinham que ser.

É o homem que você sabe que ainda poderia estar ao seu lado, não fosse um capricho da máquina da vida, que insistentemente achou que você precisava dele no seu passado, pra lembrar porque não deu certo. Pra tentar fazer dar certo depois.

Ele está lá, parado nos lugares em que foram um do outro, com a figura cada vez mais imponente, viva, bela e inatingível. E sempre que você pensar nele, vai sentir um amor dolorido, que consegue ser mais bonito do que os amores eternos, simplesmente porque é baseado na falta que sentem um do outro.

O melhor ex-namorado da sua vida não é um fantasma. Pelo contrário. É o homem por quem você deve suspirar aos 80 anos, mesmo que ele esteja a caminho do quinto bisneto. É o homem que você carrega em todos os seus sonhos. É o homem que te faz bem, por mais que o tempo tenha passado e o vento tenha levado vocês para cada vez mais longe.

O dia em que você reencontrá-lo, se é que deixou de vê-lo, seu coração vai bater forte, sua perna vai tremer como se você estivesse diante de uma nova paixão. Mas não está. Você está diante daquele cara por quem seu corpo sempre vai balançar porque viveu o melhor do amor ao lado dele. Você está diante do melhor ex-namorado da sua vida, aquele que você carrega feito pluma, embora pese toneladas de memórias na complexa balança do amor.

domingo, 24 de outubro de 2010

O herói e eu*

Ele foi o primeiro herói pós-moderno que eu conheci, em um tímido dia de outono, quando tudo podia ter sido absolutamente normal e não foi.
Ele não tinha nenhum superpoder que o distinguisse dos outros tantos homens fortes que moram nesse planeta. Mas era nascido na última lua de libra, sob um signo que moldou sua personalidade, ainda que desconfiasse de astrologia e outras "ciências afins". Sua capacidade era a de curar, de regenerar e renascer. Porque aos 31 anos se especializara em dar solavancos persistentes na vida. Nada o abalava tanto que não pudesse superar. Nada o martirizava tanto que não pudesse esquecer. Talvez por isso fosse tão difícil enxergar nele uma emoção secundária. Era feito de extremos e de silêncios contínuos. Acostumara-se a falar pouco, mas conseguia se fazer ouvir como ninguém. A voz de quem é necessário e essencial.
Ele foi o primeiro homem que eu não encontrei adjetivos para definir, embora persista com a ideia recorrente de biografá-lo. Porque ele foi o primeiro e talvez o único que tenha me convencido a chorar de alegria por tê-lo perto de mim. Porque foi o primeiro herói-humano que vi voar sem precisar de asas, de poderes, de alavancas. Porque era alguém que me bastava por ter me ensinado a amar de um jeito desconhecido e exageradamente suave.
Meu herói existe e agradeço todos os dias por ter cruzado com ele, num dia daqueles em que tudo podia ter sido normal e não foi, simplesmente porque decidimos nos encontrar.

*de presente, atrasado

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Em menos de 140 caracteres

Ele só vai saber o tamanho do meu amor...
... quando descobrir o que é o amor.
Antes disso, nada feito.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sobre um adeus

Encerrou a conversa naquela noite, inspirada por dezenas de sonhos e pesadelos que lhe penetravam como uma agulha cravando forte na pele já machucada. Porque desde muito cedo aprendeu a conviver com sentimentos de mentira e descartá-los como mereciam: inutilizando-os, deixando-os mortos em um canto escuro e trágico da sua memória cada vez mais embrutecida.

Cansou de ouvir que o tempo daria um jeito em tudo. O tempo não era o seu senhor. Não devia nada a ele e não podia contar com ele. Podia contar consigo, com as suas certezas. E só conseguia repetir, alto, que não tinha mais nada a fazer. Que tinha lutado contra todos os moinhos de vento. Que tinha erguido e reerguido peças de um castelo cada vez mais irreconhecível.

Queria saber em quais verdades assentara aquilo que acreditou eterno. Se na firmeza das próprias convicções ou na clareza que os momentos conturbados acendiam. Se no olhar zeloso e no afeto que lhe transmitia. Se em tudo ou em nada disso.

Precisava descobrir se fora tudo real como um dia imaginou ou se teria colhido mais uma decepção no campo dos sentimentos que morrem porque simplesmente não conseguem se fazer eternos. E dessa vez não era o tempo que iria lhe ajudar. Não eram as milhares de palavras que trocavam e ficavam pairando no ar, sem nunca construírem uma página sólida o suficiente.

Precisava ir embora com toda aquela tormenta que passara a carregar nas costas quando imaginava que tudo era definitivo. Porque de um dia para o outro entendeu que não era a responsável por manter de pé qualquer sentimento que pudesse morrer. Porque encerrou aquela conversa com uma frase pontual, que começara e terminara com um adeus.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Amou

Amara milhões de vezes somente naquele dia, no tímido espaço que separa um piscar de olhos de outro. Amou o jeito como ela se aproximou, lenta e rápida, lisa e sinuosa, quente e gélida, opaca e brilhante. Amou a forma como o corpo dela foi encontrando o seu, provocando um arrepio em todas as suas partes, manifestando todo o desejo que represara. Amou a forma como ela sorria de cima a baixo, prum lado e pro outro, soprando com os lábios aquela alegria de quem só consegue gritar intensidade. Amou o cheiro que ela exalou, que ele jurava sentir a quilômetros de distância, que ele prometeu impregnar em si mesmo, sob o risco de nunca mais esquecer. Amou a cor que ela conseguiu imprimir aos dias cinzas. Amou a tonalidade da sua pele, especialmente aquele rubor que lhe subia nos momentos de encontro. Amou a altura da sua voz, sempre medida, nunca comedida, num ritmo tal que às vezes só ele conseguia ouvir. Amou o brilho daqueles passos se aproximando e se afastando em uma dança própria, tão dela, mas tão do mundo. Amou milhares e incontáveis vezes, sempre a mesma pessoa, por quem se apaixonava a cada segundo, por quem deixaria os olhos abertos pelas próximas horas, dias, meses, séculos. Amou porque viveu. Viveu porque amou. E de amor se vestiu para se entregar.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

*

Faço um adendo, curto e grosso: Eu adoro contar histórias de amor que não deram certo simplesmente porque não deram certo. Se dessem certo, não seriam histórias. Se não fossem histórias, não estariam aqui. Se não estivessem aqui, não seriam minhas, não seriam nossas, não seriam. Simplesmente não.


sábado, 2 de outubro de 2010

O mais bonito da festa*

Não era o homem mais bonito da festa, nem o mais inteligente, nem o mais promissor, nem o mais simpático.
Tinha um mau humor matinal típico. Às vezes gritava e falava alto. Xingava e buzinava no trânsito. Mostrava impaciência e implicância com coisas pequenas.
Ele gostava de ensaiar seus defeitos. E mostrá-los chegou a virar poesia, quase uma valsa que se dança lento e de olho fechado pra ninguém ver. Gostava de parecer tímido, inseguro e irreal. Também gostava de se equilibrar em fios de cobre suspensos no labirinto da imaginação dela.
Não tinha nenhum dom ou talento nato. Era cheio de símbolos preferidos. Tinha um dicionário de frases feitas e de cenas perfeitas. Fazia tudo parecer intenso o suficiente para se configurar eterno. Nascia de segundo em segundo, sempre com o mesmo apetite voraz.
Ele era um livro de defeitos prontos, de ausências medidas, de sintonia descabida. Errava tanto, que chegava a comover. Mas quando acertava sabia ser único em gênero, número, grau e etc.
Não era um homem bom nem pra casar, nem pra ter filhos. Mas era um homem bom pra existir. Pra ser o mais bonito da festa dela, o mais inteligente da festa dela, o mais promissor e o mais simpático da festa dela.
Por isso aprendera a sorrir. Porque enquanto fosse dela, não ia precisar ser nada além disso. Nada além do que era, de fato. Imperfeito, intenso, inexato, real, verdadeiro. Carne e osso. Corpo inteiro.

* dela




quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Se você não chegar

Se você não chegar em quinze minutos, vou quebrar todos os pratos que acumulam poeira na prateleira. Vou queimar os papéis. Vou bater a porta. Vou pular a janela. Vou remexer nas gavetas pra tentar encontrar um pouco de nós.
Se você não chegar em meia hora, juro que vou gritar bem alto lá fora. Sim, vou gritar seu nome. Não, não vou sentir vergonha. Que venham os vizinhos, que cheguem os curiosos. A vergonha é inimiga da saudade. E eu não posso esperar mais por você.
Se você não chegar em uma hora, vou te encontrar onde você estiver. Vou procurar nos bancos das praças. Vou tentar te achar nos bares, nos bailes. Vou esperar na porta da tua casa. Vou sentar no meio-fio até você se materializar.
Se você não chegar em uma semana, vai me encontrar perdida. Vou ficar sem rumo, sem norte. Porque você sabe como me guiar. Você sabe como me enfrentar. Você sabe como me encantar.
Se você não chegar no próximo mês ou no próximo ano, ou quem sabe na próxima década, vai me encontrar inerte por aí. Perdida no tempo e no espaço em que você se foi. Lamentando as páginas que você rasgou. Apoiada nos planos que você desfez.
Mas eu sei, sei que você vai chegar. E vai agir como se não houvesse ontem. Vai rir das mesmas piadas de sempre. Vai me abraçar e me proteger. E vai continuar me fazendo esperar. Quem sabe mais um ou dois dias. Uma semana, um mês, uma década. É esse o tempo de nós dois.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Composição

Você me olha com esse jeito que só eu consigo definir.
E me abraça sem chegar perto.
E me enlaça, me desmonta.
Você chega assim, sorrateiro.
E me apaixona quando sorri de canto.
E me envolve quando fala baixo coisas que eu queria gritar.
Você me toca com todos os dedos.
E dá de ombros quando eu respondo tímida.
E me agonia, me destrói, me encontra em lugar nenhum.
Você me evita e me reclama.
E pede por mim, me chama.
E sente o frio gelado que eu roubei de ti.
Você dança de olhos fechados.
E os abre quando eu me anuncio.
E me desnuda, me afoga, me detém.
Você chega sem avisar.
E abre a porta, vai entrando.
E me convence. Você me convence.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Despedida (Rubem Braga)*

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perda da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

* Obrigada, Rubem Braga, por dizer exatamente o que eu quis por tantas e tantas vezes.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Pequeno conto sem fadas

Marcela* vivia de construir castelos. Eram fortes, bem assentados, inabaláveis. Eram feitos de pedra e de concreto. Eram sombras de todos os sonhos e ilusões que projetava para si mesma.
Um dia, um dos seus castelos preferidos ruiu. Sem que esperasse, foi ao chão e levou tudo com ele. Não sobraram os sentimentos que lhe mantinham firme, de pé. Inexplicavelmente fez-se de pó e de cinzas.
Era de areia aquele castelo imponente que gostava de ostentar e que pensara ser tão firme quanto todos os outros. Quando descobriu sua matéria prima, olhou para dentro de si e questionou a engenharia que havia aprendido. Decidiu guardar o que sobrara para as próximas construções.
No castelo que desmoronou não viviam fadas, príncipes, nem as magníficas fantasias que mantinha-na viva. Havia apenas areia. Era efêmero e diferente de todos os outros que lhe orgulhavam pela eternidade e (in)temporalidade.
Areia não era matéria prima para os castelos de Marcela. Ela queria mais e melhor. E aprendeu, quem sabe pela última vez, que reconstruir é mais difícil do que derrubar. Deu um passo pra trás e registrou na mente a imagem de todo aquele pó. O que faria com aquilo? Desistiu de guardar. Faria virar entulho, coisa morta. Porque de areia, que voa com o sopro e com o vento, ela se recusaria a viver.

* Nome trocado para preservar a identidade da(o) personagem.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Um presente para a minha irmã

A gente tem irmãos porque precisa ser muito diferente de alguém.
Insistimos que não temos qualquer semelhança com eles quando alguém observa que rimos de um jeito parecido ou falamos do mesmo modo.
O irmão, não raras vezes, é o nosso oposto. Aquele em quem enxergamos todos os defeitos que também moram na gente e para quem despejamos conselhos sobre a vida, os mesmos de que tanto precisamos.
Ser irmão é uma tarefa difícil. É se equilibrar entre o ser amigo, professor e fiscal rigoroso. É ter a chance de conhecer o maior amor do mundo, mas deixá-lo suspenso até que a maturidade se apresente para ambos.
Eu não sei o que seria de mim sem minha irmã.
Primeiro, porque não teria a chance de ter meu extremo oposto. Somos absurdamente diferentes, mas mesmo assim conseguimos chorar e rir das mesmas coisas, muitas vezes juntas, dividindo o bom e o mau da vida.
Segundo, porque não teria tantas lembranças bonitas quanto tenho hoje. Ela quem ia de mãos dadas comigo para escolinha e me chamava para defendê-la nas confusões. Depois, ela que me apresentava amigas mais velhas e mais espertas do que as minhas. Na adolescência, me fez conhecer, sem querer, o meu primeiro amor. E chorou comigo quando eu descobri o quanto podia sofrer com isso.
Em todas as tempestadas, jamais me furtei da sensibilidade dela para entender o mundo. Todas as vezes em que ela foi embora, chorei por dentro. Fazia falta vê-la na cama ao lado, ainda que os nossos mundos tivessem certos segredos que os irmãos não podem saber ou entender.
Lembro dela me ensinando a ser só, quando eu, dramática, achava que o mundo estava prestes a desabar. Me fazia enxergar os caminhos que eu desconhecia, por teimosia e imaturidade. Me dava a mão e deixava que eu chorasse sem parar, até secar as lágrimas. Quantas vezes com toda doçura e paciência do mundo ela não me disse exatamente o que eu precisava ouvir?
A gente tem no mundo exatamente aquilo que precisa para existir.
E eu tenho alguém de quem posso me orgulhar todos os dias, por ter um coração gigante, um amor maior ainda e uma capacidade de me fazer sorrir e diminuir meus problemas.
Flávia é minha irmã que dança quaquer música, que canta alto no chuveiro, que cria tendências fashions, que briga quando está na TPM. Flávia é a irmã que se preocupa comigo e sempre procura aliviar meus pesos. Flávia é aquela pequeninha que voltou de uma temporada no hospital e me deu um abraço tão forte que comoveu meus pais. Flávia é o anjinho que está ao meu lado há valorosos 27 anos, desde que eu ainda morava no útero da nossa mãe.
E, sendo meu oposto, é alguém em quem eu posso me espelhar. Sempre.
Obrigada, mano. Que os seus próximos anos sejam ainda melhores do que os que passaram. Estarei neles.



*29 primaveras

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

De ninguém

Era o típico homem de ninguém.
Olhava para todas, mas não se revelava a nenhuma.
Declarava-se a todo momento, mas não guardava nenhuma palavra em sua caixa de verdades.
Sorria para elas, mas jamais conseguia chorar.
Beijava muitas bocas,
Conhecia muitos corpos,
Muitos cheiros,
Vivia desesperadamente em busca da próxima.
Aceitava todos os nãos porque sempre haveria um sim na sequência.
Fazia promessas e juras ao pé do ouvido, mas temia o momento de ter de cumpri-las.
Tinha medo do futuro com alguém.
Não se imaginava casando, tendo filhos, moldando-se a uma vida comum, estática.
Queria sempre mais,
Maior,
Mais intenso, ainda que efêmero.

Até que um belo dia sentiu o coração tremer.
Não era um belo dia de sol, era um agradável dia de chuva.
Questinou boa parte dos seus últimos anos de fé inabalável em si mesmo.
Entendeu grande parte dos sentimentos humanos que povoavam os apaixonados.
Chorou. Sofreu. Doeu. Passou.
E fez-inteiro.
Compreendeu o incompreensível.
Remediou o irremediável.
E jamais se deu ao luxo de amar novamente.

Era o típico homem de ninguém.
Aquele que se escondeu atrás de si mesmo.
Que tentou se entregar e não conseguiu.
Que ouviu "eu te amo" e recuou.
Que disse "eu te amo" e morreu.

domingo, 19 de setembro de 2010

Micro-explicação

Olhava com ternura e delicadeza para cada instante daquele dia de reencontros.
E foram muitos.
Sentiu saudade do riso e da paz.
Da companhia que se consolidou madura.
Há um ano, estavam de mãos dadas em um ônibus cheio de histórias que adorariam lembrar.
Hoje ela estava só, rememorando cada capítulo daquele dia para entender o que o tempo havia feito com ela. Com ele. Com ambos.
Não era mais dele. Não sentia saudade.
A falta, apenas a falta.
E chorou, talvez pela última vez.

sábado, 18 de setembro de 2010

Dez

Eu a vi chorando escondida. Não foi uma uma, nem duas vezes. Pensava que estava me protegendo. Não queria dividir a dor, que era, sim, muito maior do que ela naquele instante de perda. Como deixaríamos de ser quatro e passaríamos a ser UM?
A resposta era sempre o tempo. Ele que cura. Ele que remedia. Ele que adoça. Pacifica o espírito. Renasce em nós a cada instante. Respira conosco. Passa, tempo, passa.
Nas lágrimas dela, havia uma tonelada de desesperos. Eu enxergava todos eles, com poucas certezas e pouca maturidade. Só sabia que precisava dar um jeito de enxugá-las, de exterminá-las, de vê-las passar.
Eu a vi tentando sorrir para me acalmar, acelerando um processo de recuperação que deveria ser lento para ser verdadeiro.
Quando fui embora, vi que chorou de ternura e de comoção. Mas também de solidão, porque mais uma parte sua cerrava a porta que guardava seus sonhos. Mais uma parte sua ia embora para nunca mais voltar.
Eu compartilhei com ela uma década de sentimentos oscilantes, hoje bem certeiros, hoje bem seguros, hoje mais cheios de beleza do que de dor.
Eu vi, longe dela, o tempo passar e deixá-la inteira, sem fragmentos. Foi bonita essa recomposição. A vida deu-lhe rugas, um olhar mais intenso, uma gargalhada gostosa, contagiante. Deu-lhe um amor verdadeiro, companheiro, real.
Eu levei dez anos para ver o tempo se arrastar diante de mim. Dez anos para perceber que a lembrança dela, chorando escondida, ainda doi, mas me faz acreditar em qualquer coisa.
É uma dor bonita, que me ensina a respeitar o tempo e a medi-lo com base no peso da memória. Me faz olhar para aquela estrada sinuosa em que tantas vezes nos perdemos e para o caminho reto e belo que temos pela frente. Porque soubemos respeitar o tempo. Porque soubemos respirar a dor.
* Here comes the sun*

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O dia em que você voltar

Quando você voltar, meu bem, eu não estarei mais aqui. Se estiver, não posso me comprometer em ser a mesma que você deixou. Serei outra no tempo, no espaço, na forma de viver e de me comover com a vida. Serei outra em tudo o que você fez mudar em mim, porque insistiu demais em algumas lições.
Eu sei que você vai voltar, mas não prometo te receber com o mesmo abraço. Muitas coisas mudaram por aqui. Desde o seu cinzeiro, que perdeu espaço na mesa, até a sua figura imponente, que não mora mais nas minhas lembranças. Não venha querer que eu seja a mesma que você deixou, porque tudo mudou desde a sua última partida.
Quando você entrar por aquela porta, arrependido pelos tropeços, pelos desacertos de uma vida desacreditada, deixarei que você fale o quanto precisar. Mas te lembrarei sobre a finitude do tempo, aquele tempo indomável em quem você me fez acreditar. Também te contarei sobre minhas últimas verdades, aquelas que você jurou que eu jamais faria questão de aprender.
Eu sei que você vai voltar e sinto diariamente os seus passos em minha direção. Não, não vou desviar com aquela covardia que você sempre guardou em si. Vou te receber com todas as certezas que tinha quando vi você descendo as escadas cambaleante, com mais dúvidas do que precisaria ter, com mais medos do que eu jamais tive.
O dia em que você voltar será um dia cinzento, cheio de nuvens, com um frio gelado que só os invernos mais rigoros são capazes de provocar. E então eu te darei a mão com ternura e te lembrarei porque você foi. Te farei sentar no sofá da sala e te observarei com cada centímetro da minha alma. Te olharei com o carinho de um tempo distante, aquele que não volta mais. Mas te pedirei desculpa por te deixar frente a frente com uma nova pessoa. Aquela que você destruiu. Aquela que você recompos.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Sobre ir e vir

A gente briga, machuca, sofre, chora, acha que vai matar e acha que vai morrer. Mas a gente sempre acorda com uma dor a menos. E começa a planejar o dia seguinte, quando a agonia vai estar ainda menor. E olha pra trás com o desejo de fazer melhor lá na frente. E ri alto dos próprios dramas, que um dia só vão deixar a vida ainda mais engraçada. E despeja as palavras no vento, esperando que alguém as leve. E deixa a chuva bater na cara, esperando que lave a alma. E tenta fazer tudo da forma mais simples possível. E dá o braço a torcer esperando aquele longo abraço de horas. E agradece a compreensão. E espalha a liberdade. E volta. A gente sempre volta.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O peso da sinceridade

Palavras têm peso e têm asas.
O peso é usado para atingir. As asas para esquecer.

O peso da sinceridade é saber que não se dá para voltar atrás.
A leveza das asas permite a dispersão das palavras. Mas elas estarão sempre ali, pairando sobre o ar, prontas pra serem ditas, cantadas, gritadas, balbuciadas.

Hoje minhas palavras estão densas.
Falei mais do que devia.
Falei mais do que pensava.
Atingi fundo. Feri a mim. Sofri por nós.

Hoje preferia as asas.
Deixaria todas as frases voando.
Não faria esforço para trazê-las de volta.
Que ficassem flutuando e pairando, a espera do ser dito. Mas que não se dissessem. Nunca.

Suas palavras também têm peso.
E o peso da sinceridade pode ser mais violento do que o peso de uma negativa.
Pode ser mais injusto do que o peso de uma lágrima impotente.
Pode ser mais obscuro do que o peso do medo.

Hoje faria as palavras se calarem.
Só assim elas não precisariam ferir,
não precisariam pesar,
não precisariam voar.


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Quando você passou

Passou e não avisou.
Não fez minhas pernas tremerem.
Não ouviu meu coração disparar.
Não provocou as mesmas lágrimas.
Não me deixou com frio na barriga.
Não entorpeceu meu dia.
Não conseguiu me fazer nostálgica.
Não reavivou meus sentimentos.
Não reacendeu a chama.
Não me desesperou, nem me despertou.
Não espalhou meus cacos.
Não naufragou minha alma.
Não me inspirou um sorriso.
Não encantou meu olhar.
Não me pacificou.
Passou por mim meteórico, trôpego em suas próprias confusões.
Passou e eu mal o notei. Porque havia passado. Simplesmente passado.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Um sentimento aí...

Te contei todos os meus segredos e agora você me conhece melhor do que eu.
Sabe que sou impulsiva, teimosa e atrapalhada.
Que posso mudar de ideia de dez em dez segundos, sempre com uma reflexão que eu considero madura e não é.
Onde você aprendeu a ler os meus pensamentos e a compreender os meus sentimentos?
Te deram a receita ou você encontrou analisando os meus olhos e os meus gestos sempre que eu quero falar uma coisa e digo outra?
Por que atura com tanta paciência meus ataques bruscos de TPM, mau-humor, insegurança e incertezas?
Sabe que eu preciso de alguém para brigar e mesmo assim ri de toda a minha chatice.
Sabe que às vezes eu tento te irritar, mas acabo desconsertada pela tua leveza e facilidade de encarar a vida.
Onde você encontrou a fórmula de preencher os meus dias sempre com a alegria que eu imaginei ter perdido?
Você procurou em algum lugar ou ela simplesmente apareceu, como mágica, fazendo com que as coisas perdessem um pouco da graça sem a tua presença?
Sabe que eu me divirto só de ficar parada ao teu lado.
E que sinto paz quando ficamos em silêncio.
Te contei todos os meus segredos e agora você me conhece melhor do que eu.
Por isso sabe melhor do que eu porque eu não consigo me fazer ausente.
Porque você faz falta em mim.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Recado para "o" homem

Homem,
Converse com ela num ritmo ponderado, um pouco acima do lento, bem abaixo do apressado.
Diga palavras doces e sensíveis, daquelas que não se compram em supermercados.
Experimente elogiá-la com os cabelos levemente bagunçados ou naquele dia de chuva em que ela molhou os calçados e ficou absolutamente deselegante.
Pegue-a pela mão num momento inesperado, como na fila do buffet ou na garagem de casa.
Dê flores, mas não faça disso um lugar comum. Mude as cores e os tipos, também. As rosas para pedir desculpas. Uma orquídea para se insinuar. Girassóis para lhe desejar sorte.
Chame-a para jantar numa segunda-feira à noite. As sextas e sábados são tão cheias de clichês. Nesses dias, prepare você o prato preferido dela.
Seja paciente com as crises dela. Aos 20 por não saber o que fazer da vida. Aos 30 por ver as primeiras rugas chegarem. Aos 40 por ser achar madura demais. Todos os meses por enfrentar a ebulição hormonal.
Não brigue. Não ouse brigar.
Chame-a para dançar assim mesmo, no meio da sala, enquanto ela levanta para lavar o rosto. Dance animadamente e com paixão.
Olhe-a com a ternura do primeiro encontro. Nunca esqueça do primeiro encontro.
Escolha bem os adjetivos para apelidá-la ou deixá-la encabulada. Use-os com moderação.
Não tente entendê-la 24 horas por dia, mas se esforce para desvendá-la por completo durante pelo menos dez minutos. Suas nuances, tons de voz, gestos e sinais.
Não espere dela menos amor do que você tem para oferecer. Ela sempre será mais plena de certezas na relação do que você.
Acalme-a e deixe-a sorrir. Junte-se a ela nos momentos de farra. Procure presentes que ela jamais sonharia em receber.
Homem,
O segredo é deixá-la nas nuvens. E é voar junto com ela.
Boa sorte!

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O amor num piscar de olhos*

Você ainda me ama? perguntou ela, num lapso de insegurança, em meio a trincheira de lembranças que começara a cercá-la há poucos minutos.
Mas é claro que sim, baby. Que bobiça é essa agora?
Preciso saber. Você sabe que gosto de ter certeza das coisas às vezes, ponderou, do alto da maturidade dos seus 22 anos.
OK, mas lembra que todo dia eu te digo que te amo? Sempre...
É, mas nessas horas não escuto. E soa como quase uma obrigação. Prefiro que você fale às vezes, mas que seja verdadeiro.
Tá bom, linda. Você sabe que eu jamais mentiria para você. Te amo, sim. De verdade.
Ela piscou os olhos com força, como que querendo prever o que o futuro reservaria a eles. Tá, agora era amor. Ontem fora amor. Amanhã seria amor. Mas e depois, para onde as coisas iriam? Mobiliariam uma casa juntos? Modificariam suas rotinas para se adequarem um ao outro? Escolheriam juntos o nome dos filhos? Comprariam um pacote de férias pra Disney no aniversário do caçula? Passariam a lua de mel em Paris?
Queria saber, exatamente, onde moravam as certezas do amor.
Se no cafuné que ele lhe fazia quando ela estava quase dormindo ou quase acordando. Se no abraço firme diante do caos que lhe invadia vez ou outra. Se na risada de cumplicidade escondida no cantinho esquerdo da boca. Se nas palavras meigas que trocavam quando estavam longe. Se no prazer carnal da hora do reencontro.
Ele dizia que tudo era verdade e ela sabia que era, sim. Então, qual a razão dos questionamentos que não lhe permitiam enxergá-los juntos ainda que o amor ficasse sempre ali, inerte? Se conheceram no limiar entre o inverno e a primavera e isso bastava para entender que era um sentimento forte, sem inclinação para a dúvida. O inverno do frio, a primavera da paz. Os dois.
Amor, você ainda está aí ou tá viajando? interrompeu ele.
Tô aqui, sim. Ou não. Quem sabe...
Você e suas esquecitices. No mínimo tá pensando no que vamos fazer para o jantar.
Ah, sim, o jantar...
E de novo piscou os olhos com força. E de novo pensou sobre os dois, na trincheira das lembranças que sempre carregava nas costas. E de novo teve medo, dúvidas, inseguranças daquela menina de 22 anos. Foi aí que lembrou ter 40. Foi aí que se deu conta de que pouco ou quase nada havia mudado.

* Ou: Das dúvidas que perseguem o amor

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Replay

Acompanhava o novo romance da ex em um minuto a minuto na Internet.
O cara não se importava em preservar a privacidade dos pombinhos.
Um dia era foto no Orkut, outro dia era comentários no blog ou frases apaixonadas no Twitter e no MSN.
Até aí, preferia não questionar. Cada um tem o seu jeito de amar, não é verdade? E se ele mesmo às vezes falava demais, o que esperar de um pseudo-inimigo que mostrava claros sinais de instabilidade emocional?
Mas uma coisa sim o incomodava de verdade. A falta de criatividade do amor. Sim, parecia que ele estava assistindo a um replay do que vivera instantes atrás.
Fazia com ele as mesmas coisas que faziam juntos.
Todo dia pedia que ele lhe buscasse na natação, pontualmente às 9h.
Depois, levava-a para o trabalho. Às 13h, almoçavam juntos. O cardápio também não variava muito.
De noite, viam filme, tomavam cerveja, faziam pizza, discutiam a relação.
Nos fins de semana iam para a praia, Mercado Público, casa dos pais dela. Passeavam com os cães e vez ou outra encaravam uma balada mais pesada.
Por que era tudo tão igual?
OK, fosse como fosse, já sabia para onde a história iria.
Um dia ele esqueceria de buscá-la. Ela iria surtar. Dispensaria o almoço porque acordaria de ressaca. Ela ia surtar de novo. Ia preferir os amigos para o filme ou a cerveja. Novo surto. Cansaria da praia com ela porque não conseguiria não olhar para as outras. Mais um surto. Dormiria e roncaria a noite toda. "Ah, não dá mais". Passaria as festas de fim de ano em outro estado. "Agora chega".
É, falta criatividade no amor. Ou será que falta amor?

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Desculpa

Desculpa. Um sentimento só vai embora quando a gente pede pra ele ir.
Mais do que isso. Um sentimento só vai embora quando a gente mata, enterra, lacra.
É hora de te pedir desculpa porque estou matando o meu sentimento. Eu o guardarei em um lugar só nosso, com a certeza de que tê-lo deixado nascer foi importante pra mim, pra ti e pra nós. Com a certeza de que ele precisa ir rápido, depressa, sem olhar para trás.
Desculpa por não conseguir falar e por não me fazer entender. Há silêncios que são necessários em qualquer diálogo. Há silêncios que falam mais do que eu conseguiria expressar. O meu te pede perdão e pede perdão a mim. Lamenta e condena. Adverte e teme. Mas é denso e real. E é muito mais vivo do que foram nossas melhores conversas até hoje.
Me desculpa por ir embora assim, sem avisar direito. Por trancar a porta sobre mim e separar a nós. Desculpa por ter tanta certeza e saber que é melhor assim. Desculpa por partir, mesmo permanecendo.
Agora eu vou porque já é hora. Sim, lacrei bem todas as portas. Não, não vou olhar pra trás.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O meu aviso*

Olha, eu não saberia nem por onde começar. Por isso comecei pelo clichê, assumindo minha completa incapacidade de ser categórica ao falar sobre esses sentimentos que moram em mim desde que você chegou.
O que você fez, afinal?
Quis me mostrar algo que eu precisava ver?
Quis me levar onde eu jamais teria ido sem a sua companhia?
Quis me ocupar diante do vazio que tomou os meus dias?
Quis me fazer rir da graça da vida?
Sim, acho que foi isso o que você fez.
E eu, tão cheia de frases feitas, de suspiros, de olhares prontos e medidos, resistente ao novo, ao diferente, me vi no claro pela primeira vez. Sem artifícios, sem artimanhas. Pura de uma forma que jamais pensei conseguir.
Lembra quando sentamos naquele piso molhado e passamos horas falando sobre como era bom correr tendo que se equilibrar para não cair? Você riu da minha inexperiência e confessou que vivia todos os seus dias assim, buscando um meio termo entre o andar reto e seguro e o andar arriscando-se, temendo, freando o passo a cada tropeço.
Eu compreendi cada uma das nossas diferenças, que são tantas, porque te assumi como uma das partes que me faltava. Porque sem o teu jeito de me fazer enxergar a vida, eu corria o risco de me perder outra vez.
Eu tinha tanta coisa para te falar, mas me perco no meio de uma história que parece não ter fim.
Porque nós dois sabemos o quanto tudo pode ter mudado.
E nós dois sabemos o quanto tudo ainda pode mudar. Basta um passo mal calculado no piso molhado. Basta um desequilíbrio de rota, um abalo, uma queda.
Eu só queria mesmo te dizer que tudo o que eu queria te dizer jamais vai ser dito. Você sabe bem porque.

*O título original desse post era "Tudo o que eu queria te dizer", mas descobri que esse é o titulo de um livro e de uma peça de teatro. Modifiquei.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A última mulher

A última mulher que Beto amara era independente demais para ele.
Ela tinha casa, pagava água, luz, telefone, fazia supermercado e o adotava de forma misteriosa.
Sim, ela permitia que Beto levasse as roupas para o armário dela vez ou outra, dormisse todos os dias no quarto que ela mobiliara, ajudasse nas tarefas domésticas, fizesse um jantar romântico regado a drinques intermináveis.
Beto tivera outras mulheres antes e depois dela. A situação se repetia como num ciclo, mas as personagens sempre mudavam. Ele não.

Beto era adotado e virava filho, amigo, irmão. Só não era parceiro porque não conseguia nunca estar ao lado de alguém. Só via a si. Só fazia por sí. Por isso era tão fácil mudar de casa a cada mudança de estação sem jamais construir algo sólido o suficiente para ser dele.

Beto sabia que era imaturo e que teria muitos rostos em suas mãos. Amava sempre como se fosse a última vez, mas não conseguia estar inteiro. Sempre deixava um pedaço de si. Sempre levava um pedaço de alguém. Nenhum desses pedaços tinha a capacidade de regeneração.

Em todos os aniversários, Beto vinha com o mesmo presente. As declarações de amor também eram idênticas. Ele não conseguia distinguir uma história da outra e assim conduzia uma vida em que a última era sempre a "mulher da sua vida". Até acordar e ver que não era. E atravessar o campo fértil que separa um grande amor de outro.

A última mulher que Beto amara descobriu porque conseguiu esquecê-lo sem sofrer quanto esperava. Porque ele era frágil demais para ser eterno. Porque ele era apenas um sonho. Porque ele não sabia ser de ninguém e adorava repetir enredos, diálogos, cenários.

A última mulher que Beto amara descobriu porque era parecida com as anteriores e porque era tão diferente daquela que veio depois. Porque conhecer Beto era quase como um aviso do destino, quase como uma manifestação das mentiras que ela cultivaria se não o desvendasse depois de tanto tempo dividindo tudo com ele. A última mulher que Beto amara deixou ele ir embora porque quis.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A força dos cinco verbos

Ele foi embora tantas vezes que não sabia mais qual era o seu lugar.
Se ao lado de quem amava,
Se ao lado de quem amara,
Se só, apenas.

Ele sabia de cor todos os seus medos e os temia justamente por serem seus.
Porque dentro dele tudo era brasa, tudo era fogo, tudo queimava,
Até o sopro frio que vez ou outra invadia seu íntimo, mas que acabava envolto pelo calor latente que habitava seus poros.

Ele precisou voltar para ver se a porta estava bem fechada,
Para ver se não havia esquecido algo dentro daquele cubículo insalubre,
Para certificar-se de que também as janelas foram cadeadas e lacradas com cimento, com força bruta.

Ele imaginou-se ali e lá,
Em voos imprecisos,
Em quedas intermináveis,
Mas via-se refeito e pronto.

Ele pensou nas circunstâncias em que a vida lhe impunha escolhas,
Zombou das coincidências,
Atirou-se no sofá,
E depois disso sonhou por longas e intermináveis horas.


*Nem lembra se olhou pra trás ao primeiro passo*

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O que sobrou em mim

Eu ouço a sua voz soando baixo entre a vibração tensa das paredes que por tanto tempo nos cercaram. Ela continua aqui, me atormentando sempre que me sinto frágil, como um rastro de lembrança e de mágoa que deixam a ferida aberta.

Muita coisa aqui dentro me traz você. O isqueiro esquecido. Todos os pregos e furos na parede. A sacada em que você permanecia inerte, opaco e calmo, inebriado pela solidão que sempre lhe caiu tão bem. A persiana que nos protegia. O cobertor que dividíamos em dias de um frio intenso e de um calor voraz.

Te vejo agora entre os cômodos, sorrindo de um jeito que ainda não decifrei, mas que por muito tempo me trouxe paz e guerra. Você caminha lentamente, toca nos móveis, ajusta lâmpadas, arruma a antena, senta na cama, deita e adormece. Eu apenas observo o tempo passar, aliviada quando me sinto forte e submissa quando vejo que não tenho qualquer domínio sobre ele.

Hoje, você esteve presente em todas partes da casa e em todos os cantos de mim. Como se o ritual ainda não estivesse completo. Como se faltasse uma última verdade. Como se as coisas que você deixou fossem te manter eterno. Como se a tormenta ainda não tivesse passado de vez. Como se sua voz ainda morasse aqui.

*Se eu cantar não chore não, é só poesia*

sábado, 31 de julho de 2010

O sorriso e o refúgio

Eu te dei um último aceno com meu sorriso mais doce, antes que você percebesse que algo em mim havia mudado profundamente. Eu era outra pessoa agora, embora a essência da tríade que você bem conhecia permanecesse inalterada.

Meu lábios se abriram e mostraram um pedaço da minha alma - uma parte limpa e intocada, que eu reservara para poucos porque temia banalizar. Eu deveria ter algum segredo, ainda que a transparência fosse uma característica tão certeira nos quadros que me pintavam.

Mas que o meu segredo podia ser teu, isso não era novidade.
No momento em que me expus, parte do que eu sentia foi procurar um canto escuro para adormecer sem tensão, apreensão. Não era uma fuga. Era uma questão de refúgio.

Por isso eu me propus a manter tanta vida aprisionada em mim, mesmo com a certeza de que estaria me privando de um mundo que poderia ser nosso. E assim me guardei. Porque dificilmente você me veria inteira novamente, mesmo que o sorriso continuasse por lá. Porque nem tudo o que eu queria e premeditava era passível de acerto. Porque um dia, eu precisaria ir embora.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

O amor chegou atrasado

Que o amor chegou atrasado e podia ser tarde demais.
Que não se mostrou antes porque é movido a presunções, temores e verdades mentirosas.
Que podia ter tudo acontecido no momento errado, no contexto errado, no tempo errado.
Que os relógios não andaram juntos.
Que não conseguia entender um terço dos sentimentos e, às vezes, gostava de confundi-los.
Que o amor chegou atrasado e era, sim, tarde demais.
Que o tempo não parara para que pudesse decidir acertar.
Que temia a imperfeição da rotina.
Que temia estragar a vida que lhe brotava.
Que para todos parecia óbvio.
Que para ela, não era.
Que o amor chegou atrasado ela sabia.
Sabia que não. Sabia que sim.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Cada vez mais certeza

Quando os nossos olhos se cruzaram sem querer, eu soube que já te conhecia. Não de outras vidas, mas dessa, a última.
Lembrei que há pouco tempo compartilhávamos histórias, planos e cobertas. Que dividíamos medos e sonhos. Que ouvíamos cada murmurar um do outro, com a dedicação que move os apaixonados. Que nos distanciamos em um momento de fúria, mas que foi melhor assim.
Enquanto teus olhos fugiam, os meus ficaram. Porque eu queria saber, ao certo, que tipo de lembrança ainda morava em mim. E te vi se distanciar com a impressão de que me deixara com fiapos de agonia e medo, que aos poucos perdiam espaço para a certeza, mãe da racionalidade.
Dificilmente voltaríamos a conversar sobre nós, mas aquele foi um diálogo entre almas. Porque eu sei que por detrás do teu olhar tímido, havia um pedido de desculpas, uma retratação. Por detrás do meu, havia o consentimento, a serenidade de quem compreendeu tudo.
A lembrança que mais me angustia é a mesma que quero guardar pra sempre, só para me certificar de que amores não morrem, apenas adormecem e se calam. Eu consegui ver o mar e sentir a paz do nosso primeiro encontro, quase como um ritual obrigatório de adeus.
E se pouco a pouco eu já te permitia ir embora, ontem soube que não havia mais nada seu entre as minhas partes. Nem um soluço ou uma lágrima de desapego. Te agradeci, ainda com os olhos, por ter me dado a chance de me reencontrar.

*esse amor hoje vai pra nunca mais voltar*

terça-feira, 29 de junho de 2010

Sobre os sonhos de Luiza

Lúcio conhecia todos os sonhos de Luiza e era dono da maior parte deles.
Não era a casa com cerca branca, móveis rústicos, em uma zona rural, com vista para o lago.
Não era o casamento perfeito, com noiva de véu, grinalda, e um sim coroado por fogos de artifício.
Não eram os três filhos, dois iguais a ele e uma igual a ela.
Não era a paz dos domingos de sol de frente para o mar.
Não era a fúria do encontro entre os corpos, mesmo depois de tanto tempo.
Não era o sorriso cúmplice nos momentos de reencontro.

Os sonhos de Luiza eram bem mais tímidos.
Queria que Lúcio a abraçasse nos dias de chuva forte.
E lhe soprasse baixinho no ouvido palavras engraçadas, que lhe abririam gargalhadas quentes.
Queria que tivessem aquela sintonia juvenil e se entendessem sem precisar manifestar meia palavra.
Queria que ouvissem a música do primeiro encontro e agradacessem um ao outro por estarem um no outro.
Queria levantar todas as manhãs e preparar o café de Lúcio, com as torradas que ele tanto gostava, acordando-o com os beijos e o amor de sempre.
Queria receber o café preparado por Lúcio e agradecê-lo com um inesperado golpe de amor.
Queria apenas a simplicidade e a paz que moravam nele e em todos os pedacinhos do seu corpo.

Mas por conhecer os sonhos de Luiza, dos quais ele próprio era o dono, Lúcio recuou.
Alvejou-os um a um com a munição mais certeira que tinha em mãos.
Jogou-os fora. Enterrou-os. E matou um pouco dela, também.

Agora, quando sonhava, Luiza permanecia acordada.
Fazia de conta que tudo era possível, ainda que pensasse o contrário.
Porque sonhar sempre faria parte dos planos dela, mesmo com as portas todas fechadas.
Porque se permitir não era mais um sonho, era uma necessidade.
Luiza queria ter sonhos só seus.
E unia a vontade de realizá-los a todos os sonhos perdidos em um canto ou outro de casa.
A casa, aquela, com cerca branca, móveis rústicos, em uma zona rural, com vista para o lago.

* Avisa que é de se entregar o viver.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Tarde vazia*

Acordou e soube. Não era mais dele. Não o sentia mais. Não o carregava mais na memória, no peito, na garganta. Viu que as coisas tinha mudado, desenrolou o primeiro e o segundo nó, agradeceu as paredes, ao chão e ao teto, zonza de alegria e de alívio. Não ia mais chorar ouvindo aquela música, nem se punir pelos pensamentos melancólicos e pela crônica falta de apetite.
Foi rápido demais, pensou. Não, não foi. Foi lento como tinha de ser, com o tempo correndo contra, o relógio absorvendo cada centímetro de dor e transformando em soluço, depois em silêncio, depois em vazio e em alívio.
Observou os sentimentos do alto de uma maturidade atingida em sete dias de clausura e de gosto amargo. Julgou-os um a um. Desculpou-se por não ser amor, o sentimento eterno. Agradeceu porque viu o fio arrebentar com tanta força quanto a da última briga que protagonizaram.
Fora embora, não morava mais lá. Parou de chorar, uniu as pálpebras com força, entrelaçou os dedos, respirou fundo e se preparou. Porque o que estava diante dela podia ser maior, menor ou igual. Mas era, sim, uma promessa.

*Em memória de um amor, que um dia deixou de ser. Tchau!

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Porque

Porque se sabia inexata, permitia-se ajoelhar baixinho, postar-se sobre o próprio corpo e arrancar todas as últimas lágrimas que lhe sorviam a alma. Era um agachar chorando, um levantar sorrindo e um partir sem olhar pra trás. Era um avante, um viva, um urro incontido que mais cabe às contradições da euforia do que ao sofrimento propriamente dito.
Porque da sua imprecisão brotavam os primeiros sinais de recomeço. E do recomeço, brotava a ansiedade em coletar cada fragmento de vida que deixara para trás em nome do morto, do oco.
Porque de tudo que lhe disseram, do muito que lhe contaram, havia mais incerteza e mais inspiração do que qualquer passo a frente que pudesse dar. E tentar. E tropeçar. E andar livre, natural, sincera consigo e com o mundo. Porque fez da inexatidão, da imprecisão e do medo os seus melhores amigos, os seus parceiros fiéis.




"Eu ainda sou teimoso pra tristeza/Deixemos de coisa, cuidemos da vida".

domingo, 6 de junho de 2010

Como anda (corre) o relógio

Ele vai te levar ao mercado e à praia, fazendo parecer que você foi a primeira e será a única. Vai pegar na sua mão de um jeito tímido e premeditado. Vai te olhar como se só você importasse. Vai te chamar pra um cinema. Vai circular de mão dada pelo Shopping e dividir contigo um suco de maçã.

Ele vai te levar pro trabalho. Vai te mandar mensagens doces. Vai te fazer rir sozinha.

Ele vai te apresentar pra família, como se você fosse a primeira e a última. Vai te mostrar os cachorros, o passarinho e o quarto de garotão.

Ele vai planejar as férias de vocês. Pesquisar roteiros, te fazer promessas. Vai levar a barraca e a bicicleta. Vai contar pra todo mundo, radiante, que é legal viajar a dois.

Ele vai te buscar no trabalho e te preparar um jantar. Vai dizer que gosta de brincar de casinha. Vai instalar tua persiana, tua máquina de lavar. Vai arrumar o chuveiro e te ajudar com a faxina. Vai dormir um sono profundo ao teu lado e te fazer pensar que a vida é leve.

Ele vai te abraçar tímido perto dos amigos. Vai te fazer enxergar que o tempo passa e que, não, a perfeição não existe. Vai deixar de te ligar toda hora. Vai esquecer das mensagens. Vai preferir dormir uma noite sozinho, porque tem coisas demais pra resolver. Vai beber mais do que devia, fumar mais do que devia, e te falar coisas que você pode nunca mais esquecer.

Ele vai te deixar em dúvida. Vai te fazer pensar sobre a instabilidade de vocês. Vai te propor um tempo, porque é melhor assim. Vai te fazer chorar. Vai te deixar com raiva. Vai te dizer adeus.


Parte dois

Você vai lembrar que as histórias de amor se repetem. E as de separação também. Vai pensar que já teve outra em seu lugar. E que haverá uma próxima, também.
Vai sorrir e chorar, sempre de forma exagerada.
Vai disfarçar em público.
Vai se encolher de medo.
Vai ver passar.
E só.

* Inspirado em http://canseidelero-lero.blogspot.com/2010/05/roteiro-requentado.html

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O chão e a Lua

O chão era o lugar mais seguro no momento em que abriu os olhos. Chão, no sentido literal da palavra, onde fincava os pés com força, gosto e um tanto de melancolia. Estivera presa a ele por quantos e tantos instantes, calculando os passos, prevendo rotas, tropeçando e despencando insistiva e instantaneamente.
O chão do universo do possível, do palpável. Sentia o contato dos pés - desde o calcanhar, até a pontinha dos dedos - e arrastava-se de forma sútil, cravejando suor e banhando-se nele. Sim, os pés foram feitos para o chão. Nenhuma realidade alternativa, paralela ou mesmo fictícia seria capaz de desmentir isso.

Na lua, encontrou a inspiração.
Lá onde moravam os poetas, os românticos, os bobos.
Lá onde se aninhara durante tão pouco tempo, nas mínimas noites em que se supunha plena.
Na lua das grandes conquistas, da euforia, do efêmero que fica.
Quando se deu conta de que estar entre o chão e a lua não era uma mera questão de física - mas de semântica e de existência - viu-se pequena, mas radiante.

Porque só os grandes sábios conseguem ter desenvoltura para fincar os pés num e manter a mente noutra, alimentado-se do novo, do sonho, da vida.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

2015 - Eu e você

E eis que num belo dia de outono você me bate a porta com flores recém colhidas e me encontra de meias e roupão, com o cabelo desgrenhado, o rosto recém lavado, ainda com resquícios da maquiagem. Não, eu não te esperava. Como de costume, havia saido na noite anterior, conhecido mais um, dos tantos homens que te sucederam, rido, abraçado, beijado, trocado telefone e prometido ligar no dia seguinte.

"Nossa, que surpresa". "Pois é, né? Faz tempo". Trocamos breves palavras, eu te estendi a mão, agradeci o presente, te convidei pra entrar, pra sentar. "Fiquei com saudade". "Eu já imaginava que isso fosse acontecer". "É, esqueci que tu me conhece". "Não, acho que não mais".

O sorriso travou, eu sentei do teu lado e tentei te ouvir. Você pediu desculpas, disse que nunca mais me encontrou em ninguém por aí. Tentou me contar como foram seus últimos natais, ano-novos e férias. Fazia, sei lá, cinco anos. Eu te contei dos meus planos, te mostrei que não dava mais tempo. Te lembrei que a culpa era tua, e não minha. "Mas não podemos nem nos encontrar pra conversar às vezes?". "Não".

Você levantou, tentou me abraçar, eu respondi meio tímida. Disse tchau, bati a porta, até pensei em chorar. Tomei banho, vesti minha roupa, passei meu perfume, me pintei. Celular: três mensagens, duas chamadas não atendidas. Era ele, o da noite anterior. Ri. Retornei. Combinei um jantar.

terça-feira, 18 de maio de 2010

O momento de Lia

Sempre, ao despertar, Lia chora um pouquinho.
Mas não é um choro de tristeza, desses que calam a alma.
É de esperança.
Porque cada novo dia é, de fato, um dia novo
e ela começa a pensar em coisas que antes não pensava
e a rever planos, rever metas
e gira o corpo de um lado pro outro, na expectativa de que esse movimento lhe arranque todas as lágrimas.

O choro macio e fino já acostumou a vizinhança - eles sabem que, no fundo, nenhum sofrimento seria capaz de derrubá-la.

Depois de cumprido o ritual diário, ela finalmente se cansa e enxuga, gota por gota, o líquido quente e irresistivelmente salgado que permitiu nascer. Agradece timidamente a sutileza daquele instante, porque ele é menos intenso e mais cheio de significados, de vibrações e de plenitude do que fora ontem.

É assim que Lia acorda: renovando-se no momento em que se permite chorar e
projetando-se no momento em que precisa seguir. Agora, ela ri da contradição. Pois suas lágrimas são suas pernas, sua alavanca e sua promessa.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

A paz do amor sereno

Não faz muito tempo, ouvi pela primeira vez o teu silêncio com atenção.
Ele sempre me disse mais do que eu queria e menos do que eu precisava.
Mas aprendi a estar atenta a ele. Ao vácuo que se forma e se transforma entre uma frase e outra. E ao riso que desponta entre ambos, quando o momento é de graça.
Contigo aprendo todos os dias, no sentido literal.
E se chego a me transtornar com tantas broncas e lições é porque continuo aprendendo.
Quando as lágrimas perdem a timidez,
Quando o sorriso ganha a cumplicidade e ignora todo e qualquer motivo palpável,
Quando estar longe passa a doer e a incomodar,
Quando o sentimento sobrevive mesmo diante das adversidades,
Quando o seu colo passa a ser o melhor lugar para estar,
Quando isso tudo acontece junto, ao mesmo tempo, agora
É sinal de que o amor tomou proporções extraordinárias, transcendentais
E ganhou outro nome
A-MI-ZA-DE.

Te amo por tudo.
Obrigada.

* Para Jesse Giotti, amigo por quem me apaixono dia após dia.

quinta-feira, 18 de março de 2010

sexta-feira, 12 de março de 2010

O canudo

Ele vai segurar o canudo com as mãos que tanto lutaram para que aquele momento finalmente chegasse.
Ela vai observar tudo de longe, talvez em sonhos, engolindo a seco as tormentas que viu passar sem poder apressar o fim.
Eles vão comemorar juntos, como mais uma das grandes conquistas que nos esperam e nos esperarão ao longo da vida.
Eu vou morrer de orgulho, porque é isso o que eu consigo sentir.
Ao meu pai e a minha irmã, minha eterna admiração por acreditarem um no outro. E a eterna certeza de que eu acredito neles com toda a força que guardo em mim.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O aniversário do avô

O cabelo visivelmente branco não escondia nenhum fio da juventude que ali estivera. Tinha uma maciez impressionante. Tocar nele, era como deixar fios de seda acariciarem levemente a ponta dos dedos. No rosto, algumas rugas, um bigode bem formado e um sorriso tão presente que eu sequer imaginava como era a sua expressão de raiva ou de mágoa.
Foi assim que vi meu avô soprar a vela dos seus 82 anos, cuidadosamente arrumadas no bolo pela companheira de 55 deles. Eu queria ser ele naquele momento, no auge de uma maturidade que só os homens verdadeiramente bons e fortes conseguirão atingir.
Era nele que eu me abrigava na infância. Perdia horas e horas rindo de suas histórias e dando passeios maravilhosos, que só lembro porque ele nunca esqueceu. Nas fotografias, registros de cumplicidade que nos pertenceu quando tudo o que eu mais queria era andar na areia e pedir um picolé - o Itu, o maior de todos.
Sempre me senti tão feliz ao lado daquele avô, que me culpei por ter crescido. Ele não, ele não mudou. Não fosse a fisionamia, eu poderia jurar que é o mesmo dos meus seis anos de idade, a quem eu esperava com ansiedade quando via o ônibus da Pluma chegar em Araranguá.
O tempo nos faz e desfaz, transforma nossos sonhos. Mas os dele não. Ele estava li, firme na sua pureza, aos 82, como estivera aos 30, 40, 50.
Eu me segurei pra não chorar quando o vi, tão menino, soprando forte as velas do bolo. Era muita história, muita vida e muito sentimento aprisionado naquele instante. E ele se pôs, leve como uma pluma, a esperar calmamente a chama do fogo cessar. Por isso eu lhe amava tanto: por ser vida, paciência e coragem. Por ser pura e simplesmente aquele homem que me ensinaram a chamar de vô.