terça-feira, 2 de junho de 2009

O baú

O nosso corpo é um baú de preciosas memórias.
Começa com o cheiro, passa pelo toque e termina no poder auto-destrutivo das lembranças que não querem morrer.
Foi assim que decidiu por fim em tudo. Já estava acabado, mas havia muitas reticiências no duelo permanente que travara consigo mesma. "Tá, vou ter que abrir as portas".
Mas quem disse que a gente tem o controle da nossa própria história?
Naquele mesmo dia, uma coincidência fez ambos se encontrarem. E permanecerem. E se tocarem. E conversarem sobre intimidades como se o mundo lá fora não tivesse visto o que viu. "Tá, e agora?", refletia, emparedada pelos mesmos dilemas de sempre.
Era como se as mãos dele jamais tivessem deixado de lhe acariciar. Como se aquele abraço não estivesse tão distante quanto de fato estivera. Como se o último beijo tivesse sido dado no dia anterior, aquele em que mal se cumprimentaram. Ela tinha certeza que o mundo parara naquele instante.
O corpo, baú de preciosas memórias, não deixou que as lembranças amargas estivessem entre eles naquele dia/noite de reencontro. Porque tudo era tão doce, tão intenso e tão deles, que nada seria capaz de fazê-la querer voltar atrás.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Ela me deu feliz ano novo e eu chorei. Chorei mesmo, porque sabia que não estava no meu lugar.
Lembro que mal consegui falar, de tristeza por estar longe dos meus. E depois sorri, por senti-los presentes.
Talvez fosse o primeiro sinal das tantas barras que viriam depois. E era só o começo de um ano que me traria um bocado de desconfortos, mas outro tanto de convicções e ensinamentos.
Por isso se diz "feliz ano novo", mesmo quando não se está preparado para as sete ondas. Por isso falam tanto em mudanças, em passagem.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Reencontros

Eu era o único elo entre as duas naquele momento. Não sei ao certo quantos foram os dias de silêncio. Talvez mais de quatro anos, considerando que a minha formatura fora o último encontro. Ou dez, pensando no dia em que tudo ruiu.
O abraço foi contido, como tinha de ser, mas me coloquei durante muito tempo na posição dela. Rever o passado é algo mais difícil do que eu possa supor. Pisar naquele azulejo frio novamente, sentir aqueles paredes tensas vibrando em torno de si, perceber fotos, quadros, trechos de uma vida inteira bailando na sua frente. Por isso devo admirar a imponência daquele momento tão singelo.
Os olhos encheram de água. Em frações de segundos, mil mensagens foram transmitidas em um tímido aperto de mão. E eu era o único elo entre as duas naquele momento.
Horas mais tarde, pensei que minha mãe, mesmo numa posição desconfortável, enxergava os limites daquilo tudo. E queria o passado longe, como deve ser. Quando ele volta à tona, é difícil medir os sentimentos e é difícil também entendê-los. Sim, eu era o único elo entre as duas naquele momento. Eu era o presente e o passado, imortalizada no silêncio, no fim da cumplicidade, nas lágrimas de saudade.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Sobre santos

Enquanto o pai segurava a minha mão na sala de espera da clínica, eu olhava fixamente para dentro de mim. Muita coisa doía. O braço estava inchado, a cabeça não funcionava bem depois de horas de choro compulsivo, o coração se ressentia de uma semana de desapego. Era mais dor do que eu poderia suportar, mas eu não estava sozinha.
"Filha, você precisa rezar", ele me disse. Justo meu pai, que tantos anos renegou qualquer tipo de religião, mas que cedeu a ela depois de um susto sem tamanho. Talvez eu fosse ele naquele momento, em mais uma das tantas coincidências (e reincidências) que nos fazem pai e filha.
Pensei no assunto. Eu gosto de Nossa Senhora Aparecida, por ser negra. E de São Jorge, por ser guerreiro. Fora eles, não consigo me inspirar em nenhuma outra imagem, tampouco rezar, seja pra pedir, ou pra agradecer. Quando me dei conta que era agnóstica, sabia que enfrentaria problemas quando estivesse em meio ao caos.
No outro dia, uma devota de Aparecida esbarrou em mim. Pensei ser um sinal e comprei dela uma fita, um escapulário e uma oração. É bonita, a santa. Negra, forte e brasileira. Depois, comecei a pesquisar sobre São Jorge. Me disseram que ele também é santo da Umbanda. Gostei disso. Acho que me dou melhor com eles do que com os católicos fervorosos.
Não sei qual dos dois vai me ajudar. Não cheguei nem a rezar por eles, mas acredito que eles sabem da minha busca. Um deve ter olhado pro outro lá em cima. Talvez tenham exclamado algo do tipo "vai que é tua" diante da minha indecisão.
Meu pai sempre tem razão. E, sim, eu preciso rezar. Nem que seja pra mim mesma, pra que tudo isso passe logo.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Dèjá Vu - e a história de três "eles"

Ele tinha razão quando me disse que não se sentia capaz de competir com o amor que o antecedeu. Era uma frase óbvia pra quem conhecia ambos e mais ainda pra mim, que passei longos e dolorosos anos tentando esquecer uma história eterna.
Naquele contexto, a frase já fazia sentido. Começo de namoro, uma viagem planejada, um roteiro romântico e uma cabeça que se fixou no vinho e nas letras crueis do quarto álbum dos Los Hermanos. Eu não sei, mas quando olho pra trás, acho que aquela não era eu. "Guarde um sonho bom pra mim", repeti, querendo acordar.
Andei firme nos passos que já estavam traçados. "É que a sorte é preciso tirar para ter". Pensei em todas as palavras que se repetem no tempo, porque as histórias de amor também o fazem. Eu não sabia direito por quem chorar - por mim, por ele, ou por ele. Mas chorei.
"Aponta pra fé e rema". Ele tinha razão, mais do que minha própria razão supunha. E se eu tivesse ouvido, talvez não precisasse sentir as mesmas coisas, diante das mesmas canções, como se tudo estivesse se repetindo.
Ele terá razão quando me disser que não pode competir com o amor que o antecedeu. E roda tudo outra vez.