sexta-feira, 20 de maio de 2011

Cura

Abriu os olhos meio tonta, meio dopada, meio vazia.
O pai segurou-lhe as mãos com força e ajeitou cuidadosamente seus cabelos desgrenhados após a bateria de exames que acabara de enfrentar.
Não conseguia sorrir. Ao menos não aquele sorriso que todos lhe pediam.
Só sentia dor. Um vazio. Um aperto. A mente tomada de imaginação, de medo, de angústia.
Mas decidiu acordar no exato instante em que entrou no elevador e mentalizou cada palavra das dezenas de frases que o médio despejara a seu favor. “...é o reflexo de uma dor ...eu só posso tratar a dor física...precisa...cuidado...leve”. Pareciam frases desconexas, mas todas faziam um imenso sentido.
O consultório do médico era o único lugar que não esquecia. Uma sala branca. Um homem com a barba espessa, os olhos claros, uma voz grave e o diagnóstico seguro. Lembra de ter engolido o choro pelo menos quatro vezes diante daquele vazio. O pai apertou-lhe os dedos mais de uma vez também. Era o exorcismo de uma dor. Um grunhido calado. Um berro mudo.
Precisou de quase um ano para tomar a coragem de escrever sobre aquilo, sobre o ápice de uma emoção que lhe mantinha inerte, mas misteriosamente viva. Precisou reler e-mails, reler conversas, olhar para cenas que lhe causavam tumulto e lhe traziam certezas.
Onze meses e dez dias era o que marcava o calendário. Uma eternidade era o que representava para ela. Não só porque deixou de doer. Não só porque passou rápido. Mas porque precisava ser exatamente assim. Uma história forte, cruel, certeira. Como nos seus pesadelos. Como em todos os seus sonhos.
Fechou os olhos naquela noite, certa de que o pior já passara. Depois disso, aprendeu a acordar todos os dias sem dor, sem medo, sem remorso. Não sabia o quanto valia o seu sorriso, mas, naquele instante, valia o ouro. O ouro da sua cura.

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