terça-feira, 29 de junho de 2010

Sobre os sonhos de Luiza

Lúcio conhecia todos os sonhos de Luiza e era dono da maior parte deles.
Não era a casa com cerca branca, móveis rústicos, em uma zona rural, com vista para o lago.
Não era o casamento perfeito, com noiva de véu, grinalda, e um sim coroado por fogos de artifício.
Não eram os três filhos, dois iguais a ele e uma igual a ela.
Não era a paz dos domingos de sol de frente para o mar.
Não era a fúria do encontro entre os corpos, mesmo depois de tanto tempo.
Não era o sorriso cúmplice nos momentos de reencontro.

Os sonhos de Luiza eram bem mais tímidos.
Queria que Lúcio a abraçasse nos dias de chuva forte.
E lhe soprasse baixinho no ouvido palavras engraçadas, que lhe abririam gargalhadas quentes.
Queria que tivessem aquela sintonia juvenil e se entendessem sem precisar manifestar meia palavra.
Queria que ouvissem a música do primeiro encontro e agradacessem um ao outro por estarem um no outro.
Queria levantar todas as manhãs e preparar o café de Lúcio, com as torradas que ele tanto gostava, acordando-o com os beijos e o amor de sempre.
Queria receber o café preparado por Lúcio e agradecê-lo com um inesperado golpe de amor.
Queria apenas a simplicidade e a paz que moravam nele e em todos os pedacinhos do seu corpo.

Mas por conhecer os sonhos de Luiza, dos quais ele próprio era o dono, Lúcio recuou.
Alvejou-os um a um com a munição mais certeira que tinha em mãos.
Jogou-os fora. Enterrou-os. E matou um pouco dela, também.

Agora, quando sonhava, Luiza permanecia acordada.
Fazia de conta que tudo era possível, ainda que pensasse o contrário.
Porque sonhar sempre faria parte dos planos dela, mesmo com as portas todas fechadas.
Porque se permitir não era mais um sonho, era uma necessidade.
Luiza queria ter sonhos só seus.
E unia a vontade de realizá-los a todos os sonhos perdidos em um canto ou outro de casa.
A casa, aquela, com cerca branca, móveis rústicos, em uma zona rural, com vista para o lago.

* Avisa que é de se entregar o viver.

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