segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Sobre ir embora*

Fora embora duas vezes, sempre olhando pra trás, sempre olhando pra si.
Viu pelo retrovisor seus mundos ficarem pequenos até sumirem por completo, diante de um olhar incrédulo de quem sabia que precisava partir.
Deixava sonhos e deixava vida. Pessoas, pedaços, memórias, confissões, crimes.
Costumava se distanciar com uma mistura de alívio e medo, imaginando onde estariam seus próximos passos. Imaginando quem seguiria com ela e que tipo de trajeto teria pela frente.
Acostumou-se com a paz das despedidas, os olhos cheios de água, as mensagens de amor e amizade, os longos abraços, os beijos com e sem gosto, as mãos suadas e calejadas de tanto doer. Porque ir embora sempre era dor, fosse o destino mais ao sul ou mais ao norte.
Sabia que nenhum lugar era o seu. Que andaria por mais de um chão, sempre com a ideia de se fixar, mas nunca com a certeza de que criaria raizes. Que viveria da saudade do que ficou e da esperança do que estaria por vir. Que passaria horas a fio locomovendo-se pelos solos por onde amou.
Nos sonhos daquela menina, ir embora nunca era o começo e nunca era o fim. Era o contínuo. O seu espaço era o andar, muito mais do que o viver. E na profundidade das suas certezas, sempre sabia - sentia - quando a porta estava prestes a lhe engolir, a lhe empurrar para a frente.
Nos sonhos daquela menina - que se tornou mulher de tanto ir embora - deixar pedaços para trás era muito mais importante do que marcar a sua pele com o cavalheiro viajante. E recompô-los no próximo porto era a melhor parte da história.

* Não, não vou embora. Ainda não é tempo.

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