sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O amor num piscar de olhos*

Você ainda me ama? perguntou ela, num lapso de insegurança, em meio a trincheira de lembranças que começara a cercá-la há poucos minutos.
Mas é claro que sim, baby. Que bobiça é essa agora?
Preciso saber. Você sabe que gosto de ter certeza das coisas às vezes, ponderou, do alto da maturidade dos seus 22 anos.
OK, mas lembra que todo dia eu te digo que te amo? Sempre...
É, mas nessas horas não escuto. E soa como quase uma obrigação. Prefiro que você fale às vezes, mas que seja verdadeiro.
Tá bom, linda. Você sabe que eu jamais mentiria para você. Te amo, sim. De verdade.
Ela piscou os olhos com força, como que querendo prever o que o futuro reservaria a eles. Tá, agora era amor. Ontem fora amor. Amanhã seria amor. Mas e depois, para onde as coisas iriam? Mobiliariam uma casa juntos? Modificariam suas rotinas para se adequarem um ao outro? Escolheriam juntos o nome dos filhos? Comprariam um pacote de férias pra Disney no aniversário do caçula? Passariam a lua de mel em Paris?
Queria saber, exatamente, onde moravam as certezas do amor.
Se no cafuné que ele lhe fazia quando ela estava quase dormindo ou quase acordando. Se no abraço firme diante do caos que lhe invadia vez ou outra. Se na risada de cumplicidade escondida no cantinho esquerdo da boca. Se nas palavras meigas que trocavam quando estavam longe. Se no prazer carnal da hora do reencontro.
Ele dizia que tudo era verdade e ela sabia que era, sim. Então, qual a razão dos questionamentos que não lhe permitiam enxergá-los juntos ainda que o amor ficasse sempre ali, inerte? Se conheceram no limiar entre o inverno e a primavera e isso bastava para entender que era um sentimento forte, sem inclinação para a dúvida. O inverno do frio, a primavera da paz. Os dois.
Amor, você ainda está aí ou tá viajando? interrompeu ele.
Tô aqui, sim. Ou não. Quem sabe...
Você e suas esquecitices. No mínimo tá pensando no que vamos fazer para o jantar.
Ah, sim, o jantar...
E de novo piscou os olhos com força. E de novo pensou sobre os dois, na trincheira das lembranças que sempre carregava nas costas. E de novo teve medo, dúvidas, inseguranças daquela menina de 22 anos. Foi aí que lembrou ter 40. Foi aí que se deu conta de que pouco ou quase nada havia mudado.

* Ou: Das dúvidas que perseguem o amor

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