terça-feira, 3 de agosto de 2010

O que sobrou em mim

Eu ouço a sua voz soando baixo entre a vibração tensa das paredes que por tanto tempo nos cercaram. Ela continua aqui, me atormentando sempre que me sinto frágil, como um rastro de lembrança e de mágoa que deixam a ferida aberta.

Muita coisa aqui dentro me traz você. O isqueiro esquecido. Todos os pregos e furos na parede. A sacada em que você permanecia inerte, opaco e calmo, inebriado pela solidão que sempre lhe caiu tão bem. A persiana que nos protegia. O cobertor que dividíamos em dias de um frio intenso e de um calor voraz.

Te vejo agora entre os cômodos, sorrindo de um jeito que ainda não decifrei, mas que por muito tempo me trouxe paz e guerra. Você caminha lentamente, toca nos móveis, ajusta lâmpadas, arruma a antena, senta na cama, deita e adormece. Eu apenas observo o tempo passar, aliviada quando me sinto forte e submissa quando vejo que não tenho qualquer domínio sobre ele.

Hoje, você esteve presente em todas partes da casa e em todos os cantos de mim. Como se o ritual ainda não estivesse completo. Como se faltasse uma última verdade. Como se as coisas que você deixou fossem te manter eterno. Como se a tormenta ainda não tivesse passado de vez. Como se sua voz ainda morasse aqui.

*Se eu cantar não chore não, é só poesia*

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