segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A última mulher

A última mulher que Beto amara era independente demais para ele.
Ela tinha casa, pagava água, luz, telefone, fazia supermercado e o adotava de forma misteriosa.
Sim, ela permitia que Beto levasse as roupas para o armário dela vez ou outra, dormisse todos os dias no quarto que ela mobiliara, ajudasse nas tarefas domésticas, fizesse um jantar romântico regado a drinques intermináveis.
Beto tivera outras mulheres antes e depois dela. A situação se repetia como num ciclo, mas as personagens sempre mudavam. Ele não.

Beto era adotado e virava filho, amigo, irmão. Só não era parceiro porque não conseguia nunca estar ao lado de alguém. Só via a si. Só fazia por sí. Por isso era tão fácil mudar de casa a cada mudança de estação sem jamais construir algo sólido o suficiente para ser dele.

Beto sabia que era imaturo e que teria muitos rostos em suas mãos. Amava sempre como se fosse a última vez, mas não conseguia estar inteiro. Sempre deixava um pedaço de si. Sempre levava um pedaço de alguém. Nenhum desses pedaços tinha a capacidade de regeneração.

Em todos os aniversários, Beto vinha com o mesmo presente. As declarações de amor também eram idênticas. Ele não conseguia distinguir uma história da outra e assim conduzia uma vida em que a última era sempre a "mulher da sua vida". Até acordar e ver que não era. E atravessar o campo fértil que separa um grande amor de outro.

A última mulher que Beto amara descobriu porque conseguiu esquecê-lo sem sofrer quanto esperava. Porque ele era frágil demais para ser eterno. Porque ele era apenas um sonho. Porque ele não sabia ser de ninguém e adorava repetir enredos, diálogos, cenários.

A última mulher que Beto amara descobriu porque era parecida com as anteriores e porque era tão diferente daquela que veio depois. Porque conhecer Beto era quase como um aviso do destino, quase como uma manifestação das mentiras que ela cultivaria se não o desvendasse depois de tanto tempo dividindo tudo com ele. A última mulher que Beto amara deixou ele ir embora porque quis.

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