domingo, 26 de dezembro de 2010

Tempo errado*

Ele olhou firme nos olhos dela e começou a recitar um soneto que ela ouvira outras centenas de milhares de vezes, sempre com o mesmo sentimento de perda, de agonia e de escuridão. Sim, ela era perfeita como devia ser. Gostavam de dançar, de rir juntos. Gostavam de conversar, mudos, debaixo da árvore. Gostavam das mesmas coisas, inclusive um do outro. "Mas não é o momento certo. Eu preciso ficar sozinho. Eu não posso me envolver agora. Não conseguiria ficar com você assim. Você é muito especial para isso". Era um poema que ela sabia de cor, porque também já tinha declamado na porta de casa para o homem que poderia ter marcado a sua vida para sempre, mas que foi embora porque ela pediu. "Olha, eu não estou pronta para me envolver. Estou cheia de dúvidas, de medo. Não quero te enganar". Era o diálogo padrão de quem amou na hora e no tempo errado. Que desajustou o relógio. Que não conseguiu esperar. Que carregou tristezas e nóias e neuras para uma história que poderia e merecia ser outra. Era um diálogo daqueles que se repetiria milhares e milhares de vezes na vida dele, na vida dela e de outros tantos apaixonados que se desencontraram. O soneto - o triste soneto - lhe embalava as noites de medo, de bossa e de fossa. Até que ela encontrasse ele com outra. Alguém que não era perfeita como ela, mas que apareceu no momento exato em que o coração dele se abriu. Simples assim. Daí que ele continuou falando. Ela continuou ouvindo. Os dois se entenderam como mágica. Ela chorou. Ele se arrependeu. Passaram-se dias, meses, anos. E eles contaram essa mesma história tantas outras vezes. A história do amor que deu certo no tempo errado. E que por isso morreu.

*livremente inspirado histórias que eu vi, vivi e ouvi.

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