quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O último beijo

O beijo foi amargo porque tinha o gosto do que poderia ter sido e não foi.
Sentiu a perna tremer, o peito engasgar, o sonho acabar. Aquele momento seria o último e lhe traria a convicção da efemeridade das grandes e avassaladoras paixões.
Só quem abria os lábios para um último beijo sabia a significância daquele momento, da tensão da saliva, do movimento lento, sincronizado, que se permite dar adeus sem suspirar, sem encontrar o que procura no outro.
No começo era doce feito o mel. Não tinha certeza quanto ao gosto suave, mas tinha expectativas imediatas. Tinha planos. Tinha vontades. E tudo aquilo lhe habitava durante os intermináveis minutos em que suas bocas se encontravam num movimento tenso e apressado, com a pressa que move os apaixonados.
O doce ficara amargo porque passou a viver das dúvidas, das incertezas, dos medos. E concentrou mais angústias do que alívio, mais tensão do que calma, mais fuga, mais saudade.
Sabia ser o último beijo porque sentira aquele gosto amargo meses atrás, quando então se despediu de um amor que lhe trouxera as mesmas marcas. Reconhecia aquele tom ácido que se formava entre uma língua e outra, num prenúncio de dor e de lágrimas. Num prenúncio de adeus.
Decidiu que aquele seria o último beijo dos dois porque sabia que não conseguiria mais recuperar aquela doçura do primeiro encontro de lábios. Não queria mais sentir aquele gosto amargo - e frio - dos sonhos desfeitos, das chances que se perderam. O beijo dos covardes, que se despedem culpando-se pelos erros. O beijo do passado, que se deixa impregnar em cada parte do corpo, aguçando sentidos para aquilo que poderia ter sido, mas que, por um lapso qualquer, simplesmente não foi.

3 comentários:

  1. Achei liindo Amandinha! Babo nas coisas que você escreve. Um dia quero ser como você ;D

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  2. Que linda!
    Obrigada. É bem mais fácil escrever sobre sentimento do que sobre as coisas que eu peço na aula, né? =P

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